Tag Along, ma non troppo

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O mercado de capitais é feito a partir de um ingrediente básico: confiança. Como diz a sabedoria popular, o combinado não sai caro. Assim, não basta propagar que determinado país “respeita contratos” se as maneiras de se interpretar a lei podem ser flexibilizadas de acordo com os interesses prevalentes. Interpretações capiciosas das regras frustram as expectativas dos investidores. Na melhor das hipóteses, judicializam a atividade econômica, traduzindo-se em componente do “custo Brasil”. Na pior, maculam a credibilidade do país, levando os investidores a buscar paragens mais previsíveis.

Exemplos destes problemas pipocam diariamente nos jornais do nosso país. Mas nosso foco aqui é na efetividade de um dispositivo legal em particular: o direito de venda conjunta, ou tag along.
O tag along foi considerado verdadeira pièce de resistance do movimento reformatório do mercado de capitais no final da década de 90. E não sem razão. A possibilidade de venda de um lote significativo de ações por preço diferente daquele prevalente em mercado viola um conceito básico, segundo o qual a ação representa uma fração ideal de determinado negócio, ou seja, do fluxo de caixa futuro daquela companhia. A despeito do que aleguem os doutos, uma transação a preços diferenciados é sempre uma subtração no bolso daqueles não envolvidos na transação – ou seja, dos acionistas minoritários.
A questão fundamental a ser compreendida é por que alguém paga um “prêmio de controle”. Salvo no caso de loucos ou altruístas, o comprador enxerga a possibilidade de extrair valor daquela participação acionária diferente daquele vislumbrado pelos simples mortais.
Os juristas falam que este valor pode ser atribuído ao “poder de mando”,a “sinergias”, ou “fardos de controle”. Ora, o “poder de mando” em si só justificaria prêmio em duas situações: no caso de um comprador teomaníaco, ou no caso de este “poder de mando” possibilitar a extração de ganhos desproporcionais à participação acionária. O primeiro caso é de internação psiquiátrica. O segundo é de abuso contra as minorias. E quem diz isso não são os investidores! Os próprios autores da Lei das SAs escreveram que “a diferença de valor unitário entre as ações de controle e as minoritárias em geral é relativamente pequena, pois a não ser quando o controle é exercido, abusivamente, em benefício do controlador, não assegura vantagens patrimoniais que justifiquem a atribuição do valor muito maior às ações de controle”.
Dá para ver daqui o sorriso no canto da boca do leitor. Depois dos escandalosos prêmios de controle testemunhados no mercado brasileiro – principalmente na década de 90, mas infelizmente com exemplos até em 2012 – fica claro que ou os autores da lei estavam errados, ou existe de fato um espaço muito grande para este abuso de controle. O segundo caso faz mais sentido.
Senão vejamos: o valor “justo” de uma companhia é 100 dinheiros, e o controlador aliena metade da empresa por 60 dinheiros, isso significa que a outra metade vale 40 dinheiros – ou seja, um prêmio de controle de 50%. As ações minoritárias então avaliariam a empresa em 80 dinheiros, embora seu valor econômico seja 100. Faz sentido um mercado de capitais nessas bases ?
O argumento das “sinergias” é tão falacioso quanto o do “poder de mando”. Se existem sinergias, e elas são condicionadas aos ativos da companhia, seu valor deve ser compartilhado por todos os acionistas, e não apenas por aqueles que ‘sequestrem’ seu controle. O síndico não pode ser beneficiado pela renda da antena de celular colocada na cobertura, ainda que ele assine o contrato: o benefício é de todos os condôminos.
Mais frágeis ainda são os argumentos sobre as “agruras” de ser controlador no Brasil – tais como conceder avais em nome da empresa, ou sofrer riscos patrimoniais. Qualquer estudante de microeconomia entende que externalidades devem ser precificadas. Concedeu aval: cobre-se. Assumiu riscos: segure-se. E assim por diante.
Em suma: sócio é sócio. Uma ação é igual a outra, e somente assim ela pode ser corretamente precificada, possibilitando o encontro entre compradores e vendedores e consequentemente a própria existência do mercado. O prêmio de controle mata essa lógica. E como o passado mostra que, liberado, o prêmio de controle atinge patamares olímpicos no Brasil, o tag along é condição sine qua non para o funcionamento do mercado acionário.
Não obstante esta flagrante importância, a vitória dos investidores na reforma da Lei em 2001 e na criação do Novo Mercado esbarrou no formalismo da nossa tradição jurídica e nos argumentos casuísticos e pragmáticos dos doutos – infelizmente abraçados pelo regulador.
A jurisprudência atual da CVM é incapaz de garantir que situações óbvias de alienação de controle sejam traduzidas em ofertas para os acionistas minoritários. Com base nos julgados dos últimos anos, e dos valiosos pareceres graciosamente oferecidos pelas companhias, a CVM adotou voluntariamente uma interpretação minimalista sobre o que deve acontecer para configurar uma alienação de controle. Em particular, desenvolveu-se a tese do “reforço de controle”, segundo a qual um pequeno acionista se transforma em controlador isolado de uma empresa sem fazer oferta pública. Transações claramente encadeadas – que resultam na transferência de controle – tem sido analisadas isoladamente – o que resulta na ausência de oferta pública. Dorme-se com um controlador e acorda-se com outro, sem oferta ao mercado.
Em muitos casos o regulador até entende que houve troca de controle, mas hesita em determinar a oferta pública por força de seus julgados anteriores (embora a IN CVM 361 disponha claramente que a CVM pode determinar a oferta “sempre que verificar ter ocorrido alienação onerosa do controle”).
A interpretação vigente sobre troca de controle é minimalista, e não decorre da redação da lei. Aliás, ao contrário do antigo Artigo 254, de 1976, a redação atual não condiciona a oferta ao tamanho do bloco de ações vendido. A lei fala agora apenas de ‘ações integrantes do bloco de controle’.
É urgente portanto a revisão da interpretação deste dispositivo. A existência de prêmio na alienação de ações do bloco de controle é indício fortíssimo da alienação do poder de mando – ainda que de parte dele. Este valor deve ser compartilhado entre todos os acionistas, ainda que isso leve a uma oferta pública parcial (isto é, para determinado número de ações), na linha das recomendações do Código do IBGC. O controlador, neste caso, não venderia todas as suas ações, mas ficaria preservada a integridade de cada ação como representativa de um pedaço do negócio.
O Brasil não pode ser considerado o país do “veja bem”. Nossa lei é boa, nosso regulador é respeitado, mas em momentos críticos nos quais os direitos dos acionistas se tornam essenciais, veja bem, eles falham. O tag along é peça fundamental para garantir que uma ação seja uma fração ideal de uma empresa. É urgente portanto reformular o entendimento sobre o tema, tornando-o uma proteção efetiva das minorias contra abusos dos detentores (e dos compradores) do controle acionário.