Relatórios de Stewardship mostram que práticas de engajamento avançam no Brasil

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As assets e fundos de pensão signatários do Código Amec de Stewardship demonstram importante evolução no processo de relacionamento com empresas investidas, segundo os relatórios de 2019 publicados na última semana no site da Associação. O tema ganha tração na esteira do avanço da pauta de sustentabilidade no país e reforça o aspecto positivo desse processo de engajamento.

Daniela Costa-Bulthuis
Daniela Costa-Bulthuis, da Robeco. Foto: Divulgação.

“Na Europa o processo de engajamento é muito forte está na frente avançada em termos de política de engajamento. Os EUA estão começando com o stewardship. O ativismo no mercado americano geralmente é direcionado para a via da judicialização. É diferente do estilo inglês ou dos países europeus onde predomina o engajamento via diálogo”, comenta Daniela da Costa Bulthuis, Portfolio Manager na asset holandesa Robeco e membro do Conselho Deliberativo da Amec. Ela explica que há estudos e estatísticas que mostram que a via judicial gera maiores custos tanto para os acionistas minoritários quanto para as companhias.

A gestora da Robeco é uma entusiasta do stewardship e incentiva o seu desenvolvimento no Brasil. “Ser signatário do Código Amec dá uma boa direção para todos os tipos de asset, especialmente para as menores. O Código funciona como um guia para aquelas que não tem uma política de stewardship própria”, comenta Daniela Bulthuis. Ela diz que é uma maneira importante de mostrar aos clientes como se está investindo em monitorando a situação das empresas investidas. 

Renato Eid Tucci
Renato Eid Tucci, do Itau. Foto: Divulgação.

Renato Eid Tucci, Head de estratégia Beta e integração ESG da Itaú Asset Management, reforça a ideia que “como gestores dos recursos de terceiros, existe a responsabilidade de investi-los de forma ética e responsável, buscando um completo entendimento das oportunidades e riscos envolvidos em nossas decisões”. Tendo participado do grupo de criação do Código Amec em 2016, o gestor explica que a adesão foi relevante à medida que vem reforçando o comprometimento da asset com excelência nas atividades de gestão e monitoramento dos valores mobiliários detidos em nome dos clientes.

“Os princípios de excelência delineados pelo Código por meio dos seus 7 princípios estruturam de forma pragmática todos os esforços empreendidos nessa frente promovendo um mercado de capitais mais transparente e eficiente”, comenta Renato Eid.

Os números da Itaú Asset refletem importante salto no stewardship. Em 2018 ocorreu engajamento com 35 empresas de 15 setores econômicos. Já em 2019, o número aumentou para 91 empresas de 22 setores econômicos. Em relação ao proxy voting, a asset do Itaú participou de 50 assembleias de empresas investidas, que representam 36% do patrimônio líquido em ações. No ano passado, houve aumento da participação para 81 assembleias de empresas investidas, que representam 47% do patrimônio líquido em ações.

Um tema recorrente no engajamento do Itaú foi a remuneração dos executivos das investidas. “Em 2019 tivemos a oportunidade de contribuir positivamente na formulação dos planos de remuneração de algumas empresas. Esse processo é bastante positivo pois tem como objetivo incentivar melhores práticas de transparência e governança, contribuindo para um melhor alinhamento entre empresas e investidores”, explica Renato Eid.

Fundos de pensão

A adesão ao Código e os avanços no engajamento são percebidos também entre as fundações. Já são 4 os signatários do Código Amec deste segmento. Entre eles, o maior fundo do país e da América Latina, a Previ aderiu recentemente ao Stewardship (leia mais). Outras três fundações, a Petros, Funcef e Vivest (antiga Funcesp) são signatárias e publicaram seus relatórios de 2019.

Paulo de Sá
Paulo de Sá, da Vivest. Foto: Divulgação.

“Para a Vivest, além de um compromisso institucional, o Código é um guia de melhores práticas, que nos provoca a evoluir e agregar nossas áreas e profissionais em um programa orientado para as nossas responsabilidades e nossa estrutura de governança”, explica Paulo de Sá Pereira, Gerente Executivo de Renda Variável do fundo de pensão.

Em 2019, a Vivest promoveu, entre iniciativas próprias e engajamentos colaborativos, 31 engajamentos junto a 9 empresas investidas. “As discussões com as empresas focaram os temas de gestão e, de forma mais abrangente, as questões Ambientais, Sociais e de Governança Corporativa [ESG em inglês], que trazemos como um pilar transversal às nossas práticas de investimentos”, diz o Gerente.

Paulo Sá explica que a equipe e direção do fundo considera o engajamento como um caminho de evolução contínua. Em 2019, a organização iniciou o desenvolvimento de uma política de voto em assembleias. Neste sentido, foi exercido o direito de voto em 100% das assembleias de fundos de participação e fundos imobiliários. “A ideia é expandir essa prática para outras classes de ativos em 2020 e 2021, bem como dar transparência à nossa atuação no engajamento e práticas de voto nas assembleias de nossas investidas”, diz o gestor da Vivest.

O fundo de pensão, continua Paulo Sá, tem se empenhado em revisar e reestruturar a sua governança. Isso passa pela gestão de riscos, por um programa de integração transversal dos aspectos ESG à análise e gestão de ativos de renda variável – que também será expandido para outras classes de ativos – e pela revisão e criação de políticas que garantam a nossa transparência e integridade.

Além de temas recorrentes no engajamento como aperfeiçoamento da governança, integridade, remuneração do management, entre outros, um aspecto que já vinha ganhando força, mas que se sobressaiu em 2019, foi a questão dos princípios e práticas ESG pelas empresas.

O aspecto socioambiental representou um tema muito difícil para o Brasil no ano passado, comenta Daniela Bulthuis, da Robeco. Um fato que marcou o ano foi o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, no estado de Minas Gerais. A asset holandesa vinha realizando ações de engajamento na companhia desde o acidente em sua subsidiária, a Samarco, em Mariana, também em Minas. “O acidente de Brumadinho foi muito mais sério e levou à exclusão da empresa de nosso portfólio”, diz.

Atualmente a Vale é a única empresa brasileira excluído da carteira de análise da asset. Como já havia o antecedente do rompimento da barragem de Mariana em 2015, a exclusão veio após o novo rompimento como uma medida extrema. A gestora da Robeco não descarta que a asset poderá voltar a analisar a Vale no futuro, mas que isso não deve ocorrer em prazo muito curto.

Outro fato que jogou os holofotes sobre a questão climática no Brasil foi o aumento das queimadas e desmatamento ilegal na Amazônia. O fato ganhou forte repercussão na mídia internacional e deu um status mais alto para o ESG no país. “Podemos dizer que o engajamento ESG começou nas empresas, mas foi se tornando um tema macroeconômico para o país”, explica Daniela.

A asset tem realizado uma série de ações como o apoio a uma carta do PRI (Principles for Responsible Investment) contra queimadas e a adesão à iniciativa de investidores globais junto ao governo brasileiro. Além disso, a Robeco informa que promove o engajamento também no Cerrado, que também vem sendo amplamente desmatado.

Ainda no aspecto ESG, a gestora destaca a adesão ao 30% Club, que é uma iniciativa internacional de promoção do equilíbrio de gênero. “Em nosso proxy voting, mandamos para as investidas nossa política a favor da melhoria do equilíbrio de gênero no board, pedindo disclosure da política de diversidade”, comenta. A Robeco realizou a votação à distância em 179 Assembleias no Brasil em 2019. 

Catalisador

Outro signatário do Código Amec é a BNDESPar, que é o braço de participações em empresas abertas e fechadas do

Bruno Laskowsky do BNDESPar. Foto: Divulgação.

BNDES. “Como um dos principais agentes desse mercado, acreditamos que é nosso dever adotar esses princípios, aderindo às melhores práticas ESG da forma mais completa possível. Esperamos ainda que, com suas ações e a divulgação deste relatório, a BNDESPar possa servir como um catalisador dessa iniciativa, atraindo outras instituições e incentivando a adoção dessas medidas por outros agentes”, diz Bruno Laskowsky, Diretor de Participações, Mercado de Capitais e Crédito Indireto do BNDES.

O Gerente do Departamento de Operações e Controle do BNDES, Daniel Loureiro da Silva, ressalta os avanços em relação ao relatório atual. “Destacamos cada um dos princípios separadamente e abordamos os avanços e iniciativas em relação a cada um dos princípios. No relatório anterior os comentários eram realizados de forma genérica abordando vários princípios conjuntamente.

Com o tratamento segregado de cada princípio, fica mais claro para identificar o status das ações em cada um deles”, explica. Ele diz que a divisão do relatório em princípios facilita também a forma de acompanhar internamente os avanços, com uma visão mais clara para propor novas iniciativas.

Em relação ao princípio 6, de engajamento coletivo, por exemplo, uma importante iniciativa foi realizada em janeiro de 2019 com o lançamento do Questionário Socioambiental de Investidores Institucionais. Voltado para participações acionárias das carteiras abertas com e sem acordo de acionistas, o questionário foi elaborado e utilizado em conjunto com os fundos de pensão Previ, Petros, Real Grandeza e Valia. Além do engajamento coletivo, essa iniciativa abordou o princípio 3 que se refere aos aspectos ESG.

Em outra frente, a BNDESPar atuou para estabelecer uma iniciativa em relação a conflitos de interesses. Foi criada então uma política corporativa de Barreira de Informação, de acordo ao Princípio 2. A política ganha importância por se tratar de uma carteira expressiva, com grande quantidade de conselheiros nas empresas. A instituição também definiu políticas de direitos de votos e de indicação de conselheiros, que começaram a valer em 2020.

Nas participações em empresas, a BNDESPar ao final de 2019 era signatária de 42 acordos de acionistas, possuía 41 membros indicados para os conselhos de administração e 25 para os conselhos fiscais, entre titulares e suplentes. A instituição participou de em torno de 90 assembleias de empresas abertas ou fechadas no ano passado. 

Saiba mais

O Código Stewardship foi criado pela Amec com o objetivo de dar um passo adiante em seu compromisso de levantar a bandeira do engajamento no mercado de capitais brasileiro. O documento tem como signatários 23 investidores institucionais, dos quais cinco ainda não produziram nenhum relatório em virtude da recente adesão.

O Código tem sete princípios a serem seguidos pelos investidores, que são os seguintes:

  1. Implementar e divulgar programa de stewardship;
  2. Implementar e divulgar mecanismos de administração de conflitos de interesses;
  3. Considerar aspectos ASG nos seus processos de investimento e atividades de stewardship;
  4. Monitorar os emissores de valores mobiliários investidos;
  5. Ser ativos e diligentes no exercício dos seus direitos de voto;
  6. Definir critérios de engajamento coletivo;
  7. Dar transparência às suas atividades de stewardship.

Para mais informações, acesse a seção Stewardship no site da Amec.