Ofertas de ações recuperam otimismo com amadurecimento do mercado de capitais

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No auge do impacto da crise decorrente da pandemia de Covid-19, no mês de março e início de abril, o pessimismo tomou conta do mercado. A maioria das previsões apontava para um cenário repleto de incertezas em uma situação de economia paralisada. “Lembro que a previsão indicava que os IPOs (Oferta Pública Inicial) não retornariam em 2020”, diz Daniel Utsch, Gestor de Renda Variável da Fator Administração de Recursos (FAR).

Daniel Utsch, da FAR. Foto: Divulgação.

Passados quatro meses, a recuperação da Bolsa e o ritmo de ofertas de novas ações está surpreendendo. Ainda antes de controlar a pandemia no país, o mercado fechou o primeiro semestre com 5 IPOs e 7 Follow Ons (Oferta Subsequente de Ações), superando em 53% o mesmo período do ano passado. “No começo da crise, com o forte impacto inicial, poucos apostavam em recuperação em ‘V’. E agora estamos nos surpreendendo com a retomada da Bolsa. E a boa quantidade de ofertas de ações é um dos indicadores positivos deste novo cenário”, comenta o Gestor da FAR.

Mesmo com toda a força da crise, uma grande quantidade de empresas está demonstrando resiliência. Com necessidades de caixa e de recursos para voltar a crescer, as companhias estão indo a mercado para abrir o capital ou para captar com novas emissões. Na outra ponta, os investidores estão com muito apetite para ativos de maior risco em decorrência do patamar mais reduzido da história da economia brasileira. “As duas pontas estão se unindo, de um lado as empresas com boas teses de investimentos e, na outra, os investidores sedentos”, diz Utsch.

Alessandro Farkuh, do Bradesco BBI. Foto: Divulgação.

Alessandro Farkuh, Head do Bradesco BBI, lembra que na virada do ano de 2019 e nos meses de janeiro e fevereiro 2020, o otimismo era muito grande para novos IPOs. Veio a pandemia e o mercado inteiro se deparou com um muro. “As operações foram desarmadas devido ao nível alto de desconforto. Todos os projetos foram suspensos no curto prazo”, conta.

Havia uma sensação de descontrole da contaminação, que durou cerca de 4 ou 5 semanas. Mas já na metade de abril, a sensação de descontrole começou a se dissipar, com o endereçamento das questões principais na Europa e a reabertura mercado dos EUA, recorda. Passado o choque inicial, o mercado de capitais doméstico se viu pouco afetado, com boa situação das assets e a boa capitalização dos investidores institucionais.

Retomada das operações

Foi em meados de maio que a Estapar realizou a primeira operação de reabertura do movimento de IPOs. Em seguida vieram a Centauro e Via Varejo. “De lá pra cá, o mercado fala por si, com uma dezena de novas ofertas de ações. E julho continua com um movimento muito forte”, ressalta o Head do BBI. O investment banking do Bradesco participou de 8 emissões de novas ações nos meses de maio, junho e julho.

Apesar da continuidade com as preocupações com a retomada da economia, a resiliência das companhias se mantém com boa perspectiva. Somado a isso, os investidores estão com necessidade de buscar melhores retornos, devido ao cenário de juros reduzidos. “O estado de espírito é o melhor possível. Há muito capital para ser alocado, com um universo enorme de demanda. Seguimos preocupados com a economia, mas otimistas com mercados de capitais”, comenta Farkuh.

As empresas capazes de apresentar boas histórias para investidores com modelos sólidos de governança estão atraindo capital para financiar seus IPOs ou Follow Ons. Mesmo os investidores estrangeiros que continuam reticentes com a economia brasileira, muitos deles têm participado das novas ofertas públicas de ações.  “É certo que a crise política e a ambiental podem atrapalhar um pouco, mas as empresas sólidas, com boa gestão, com boas perspectivas de crescimento no curto e no médio prazo, estão conseguindo captar tanto de investidores domésticos quanto de estrangeiros”, diz o executivo do BBI.

Caso ESG

Um dos exemplos de IPO bem sucedido ocorreu no início de julho com a empresa de gestão de resíduos Ambipar. A nova companhia levantou R$ 1,08 bilhão em sua oferta inicial. Os coordenadores foram o Bradesco BBI, BTG Pactual e Bank of America. “A Ambipar é um caso icônico recente que contou com participação pesada de estrangeiros”, diz o Head do BBI.

Ele diz que é a primeira emissão de ações com foco em ESG (ambiental, social e governança). O case mostra que a tese ambiental aliada à boa governança pode atrair boa demanda de investidores.

Outro modelo bem valorizado é o de empresas com forte processo de transformação digital. “Com a pandemia, o e-commerce registrou um processo de acelerada evolução de muitos anos em poucos meses. São empresas com necessidade de caixa e excelente oportunidade de investimentos”, comenta Daniel Utsch, da FAR. Ele diz que até as incorporadoras de imóveis estão nesse processo de novas ofertas de ações.

Neste sentido, o foco se concentra na qualidade das companhias. “Mais que um setor específico, o importante é a qualidade das companhias, que seja bem geridas”, aponta Alessandro Farkuh. Ele tem visto empresas de diversos setores como saneamento, tecnologia, varejo, serviços financeiros, entre outros. O executivo revela que o pipeline atual de novas operações do Bradesco BBI já está no mesmo patamar do início do ano, no período pré-pandemia, sem revelar o número exato.

Projeção recorde

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem atualmente 20 processos de IPOs em fase de análise. Esse número, porém, pode ser muito maior segundo especialistas. Para Álvaro Gonçalves, Sócio do Grupo Stratus e Presidente da Câmara de Empresas e Estruturadores da B3, o terceiro e quarto trimestres de 2020 devem bater todos os recordes de ofertas públicas de ações. “Deve ocorrer um processo de recuperação do território perdido. Segundo nossas projeções, 2020 irá fechar com cerca de 100 operações de IPOs e Follow Ons”, prevê o gestor.

Álvaro Gonçalves, do Grupo Stratus. Foto: Divulgação.

Álvaro analisa que o ciclo de queda das taxas de juros, iniciado há 4 anos, trouxe a perspectiva de alongamento das aplicações. A chegada da pandemia trouxe incertezas de curto prazo, mas apesar disso, a direção de longo prazo voltou rapidamente. “Quem pretende comprar ações, têm um olhar de no mínimo de 1 a 2 anos. Nesse horizonte, existe uma sensação de que a pandemia estará controlada”, diz o sócio da Stratus.

Ele continua lembrando que a economia tem apresentado momentos de “soluços” devido a diversos fatores como as crises políticas ocorridas nos últimos anos. Contudo, a direção não mudou nesse período, ao contrário, ela se reforçou. Prova disso foi a entrada de quase 2 milhões de novos CPFs na Bolsa nos últimos três anos.

“O mercado de empresas e a Bolsa estão entrando em um círculo virtuoso. Existe um capital em busca de investimentos com maiores retornos e isso irá beneficiar o financiamento das empresas e a economia”, comenta. Uma das dificuldades é que a Bolsa brasileira é uma das mais concentradas mundialmente entre as maiores.

A B3 é formada por apenas 400 companhias, dentro de um universo de dezenas de milhares de empresas que teriam capacidade teórica de avançar para a abertura de capital. O gestor da Stratus projeta que em 5 anos, esse número de empresas com capital aberto na Bolsa irá saltar para 1500 companhias.

Algumas das bases para seu otimismo é o que ele chama de “forças de engajamento” dos investidores nas empresas investidas. Esse movimento é auxiliado pelo trabalho de organizações como o IBGC e Amec, conta Álvaro. O gestor cita ainda o arcabouço regulatório de alto nível criado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que confere alto nível de segurança ao mercado de capitais brasileiro.

A perspectiva otimista é compartilhada por Alessandro Farkuh, do Bradesco BBI. “Estamos trabalhando como nunca para recuperar o tempo perdido. Estamos muito motivados pois é uma satisfação enorme vivenciar a atual evolução do mercado de capitais que amadureceu em ritmo acelerados nos últimos meses”, diz. Ele acredita que a busca de investimentos com maior retorno irá continuar por um longo período em função da perspectiva de manutenção dos juros baixos.