Mercado de créditos de descarbonização: Como funciona e o que representa a primeira negociação?

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A plataforma Trader da B3 registrou a primeira negociação de créditos de descarbonização, mais conhecidos como CBios, no último dia 12 de junho. Em funcionamento desde o dia 27 de abril, o sistema permite o registro e as movimentações desses ativos, que fazem parte de um programa de incentivo para a maior utilização de biocombustíveis. A plataforma inaugurou a primeira transação com a compra de 200 CBios pela empresa Datagro, com intermediação da Sucden, ao valor de R$ 50 cada crédito.

Os CBios são ativos ambientais que fazem parte da Política Nacional de Biocombustíveis, a Renovabio. Os créditos são emitidos por produtores ou importadores de biocombustível e escriturados por instituições financeiras para que possam ser negociados no mercado financeiro. Os títulos registrados podem ser comercializados entre produtores, distribuidores de combustíveis e outros investidores em mercado de balcão. Por enquanto a única plataforma disponível para o registro das negociações é o Trader da B3.

O volume de negociações ainda é bastante baixo, mas a primeira venda desse tipo de ativo, cujo emissor foi a produtora de etanol Adecoagro, tem um caráter simbólico para incentivar o funcionamento deste novo mercado.

Fábio Zenaro, da B3. Foto: Divulgação.

“A B3 atua como infraestrutura para esse mercado, garantindo que os processos de registro, negociação e divulgação de informações sobre o produto ocorram em seu ambiente seguro e já consolidado”, explica Fábio Zenaro, Diretor de Produtos de Balcão, Commodities e Novos Negócios da B3.  A plataforma permite a divulgação de informações em D+1 e ajuda os investidores a acompanharem a evolução da oferta e a terem referência de preços para a negociação. “A busca pela transparência na negociação de produtos de balcão é um compromisso constante da B3, expressa em diversas iniciativas voltadas para esse segmento”, diz.

No dia 18 de junho, o estoque do produto era de 762,2 mil CBios, informou a B3. A plataforma tem a função de registrar as movimentações e divulgar, diariamente, a quantidade de novos CBIOs registrados, o estoque e os preços mínimo, médio e máximo de negociação de cada título, além da quantidade em posse de investidores.

Segundo Paulo Costa, Coordenador de Biocombustíveis Ministério de Minas e Energia, a primeira negociação demonstra que todo o processo está organizado e em pleno funcionamento. “Os agentes de mercado têm total entendimento do funcionamento desde a emissão até a comercialização do CBio. A questão de definição dos preços também é importante para dar os primeiros parâmetros para esse mercado”, comenta.

Ele explica que a Renovabio é uma política que propõe instrumentos de mercado que visam promover a substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis, que são menos poluentes para a atmosfera, como o etanol, biodiesel, bio QAV – querosene de aviação – entre outros. É uma política sem subsídios estatais e que para seu incentivo, foi criado o ativo dos créditos de descarbonização.

Metas de descarbonização

Um ponto importante para entender o funcionamento este novo mercado são as metas de descarbonização que são

Paulo Costa, do Ministério de Minas e Energia. Foto: Divulgação.

definidas por uma comissão interministerial coordenada pelo Ministério de Minas e Energia. “As metas de descarbonização são formuladas com a utilização de modelos matemáticos para estabelecer um plano decenal de descarbonização”, explica Paulo Costa. As metas foram definidas pela Lei n. 13576/2017.

As metas são válidas para as distribuidoras de combustíveis e indicam uma quantidade de CBios que devem ser adquiridas anualmente de maneira obrigatória. É importante esclarecer que os créditos podem ser negociados também por investidores, fundos de pensão e assets, para buscar retorno para seus portfólios.

Outro ponto central do programa é o processo de certificação energética ambiental, que analisa o ciclo de vida das usinas para fornecer parâmetros para a emissão dos Cbios. É um processo voluntário que a usina interessada em colocar os créditos no mercado tem de passar para definir a quantidade de ativos que cada empresa tem capacidade de emitir. O processo de verificação e validação é realizado por firmas inspetoras independentes.

As empresas de biocombustíveis recebem uma espécie de nota de acordo a sua eficiência operacional. Conforme a nota obtida, terá direito a emitir maior ou menor quantidade de CBios. Paulo Costa explica que os créditos funcionam como um novo produto, uma nova fonte de renda para essas empresas, que podem vendê-los para a geração de receita. Na ponta compradora estarão as distribuidoras de combustíveis, que são classificadas como a parte “obrigada” e outros investidores, considerados como “não-obrigados”.

A emissão e escrituração das CBios exigem todo um roteiro que, depois do processo de verificação e validação pela firma inspetora têm de passar pela escrituração do ativo e registro das negociações. Os CBios passam por uma corretora, que funciona como um intermediário no processo de colocação do ativo e negociação. “Começamos em um primeiro momento com um ambiente de Trader, com negociação de balcão, porém no futuro será adequado avançar para a negociação em sistema de home broker, para conferir maior agilidade e liquidez para esse mercado”, defende Paulo Costa.

Impacto da pandemia

As metas de descarbonização são válidas por 10 anos, porém são revisadas anualmente. Neste momento, estão em processo de discussão e redefinição. Um dos problemas que o novo mercado de CBios está enfrentando logo na largada são os impactos negativos para o consumo de combustíveis em geral, que também afetam os biocombustíveis.

Paulo Costa estima que houve uma redução de cerca de 30% no consumo de combustíveis no início da pandemia, e que agora a queda foi reduzida, mas ainda gira em torno de 15% a 20%. A redução do consumo também está provocando diminuição na oferta de CBios e, por outro lado, deverá provocar queda também nas obrigações de aquisição desses títulos pelas distribuidoras.

“As distribuidoras estão aguardando as novas metas, que devem ser definidas dentro de um mês”, prevê o Coordenador de Biocombustíveis do MME. Esse processo impactará também na formação de preços para os ativos. Por isso, o apetite para as compras ainda está baixo. Ele acredita que o mercado deverá ganhar maior liquidez no segundo semestre, principalmente no período próximo ao final do ano.

Felipe Bottini, da Green Domus. Foto: Divulgação.

Felipe Bottini, Sócio fundador da Firma Inspetora Green Domus, a primeira credenciada para atuar na avaliação das empresas de biocombustíveis, lembra que a previsão antes da pandemia era de 9 milhões de toneladas em CBios que as distribuidoras teriam de adquirir. Com a chegada da pandemia, a demanda caiu para todos os combustíveis. “É pouco provável que as distribuidoras comprem agora, pois o preço da Cbios deve cair com revisão das metas”, aponta.

Ele reafirma que a primeira negociação representa o nascimento do programa, mas que tem valor simbólico. “O maior volume de negociações virá após a revisão das metas. Por isso, esse processo de revisão, já que está em andamento, deve ser feito o mais rápido possível”, defende. Se o processo de revisão for muito demorado, pode atrasar o início do funcionamento e o ritmo do mercado.

O sócio da Green Domus explica ainda que o programa está apenas em sua fase inicial, envolvendo por enquanto, os produtores já existentes. Com o desenvolvimento e amadurecimento do mercado de CBios, o programa deve começar a incentivar o surgimento de novas plantas de biocombustíveis e a entrada de novos produtores no mercado. Desta forma, a oferta de diversos tipos de combustíveis trará maiores benefícios para o mercado como um todo, com a tendência de redução do consumo de combustíveis fósseis.

Práticas ESG

Uma das consequências do programa Renovabio, além dos benefícios de sustentabilidade ambiental, é que irá proporcionar um novo elemento para avaliação de condutas das empresas que seguem os princípios ESG (Ambientais, Sociais e de Governança, sigla em inglês). O Ministério de Minas e Energia pretende montar um banco de dados para o setor de biocombustíveis, com o ranqueamento de usinas, com a avaliação de eficiência produtiva.

O relatório será publicado e estará à disposição para a análise por parte do mercado e dos investidores, que poderão avaliar este critério em investimentos em empresas do setor e as práticas das distribuidoras de combustíveis, verificando aquelas que estarão contribuindo com mais intensidade para o consumo de combustíveis renováveis.