Investimentos ESG antes, durante e pós-pandemia

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A Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec) e a CFA Society Brazil realizaram o webinar “ESG antes, durante e após a COVID-19” no último dia 4 de maio. O evento teve o objetivo de apresentar e discutir as análises da evolução histórica dos investimentos responsáveis – ambientais, sociais e de governança – e as perspectivas a futuro. Com moderação de Sônia Villalobos, o encontro teve intervenções de Fábio Alperowitch (Fama Investimentos), Fábio Coelho (Amec) e Marcelo Seraphim (PRI).

Durante a abertura, Fábio Coelho lembrou que a Amec tem se empenhado para a disseminação dos critérios ESG no país, como mostra o trabalho realizado com o Código Stewardship e outras iniciativas. Ele anunciou ainda a recente parceria com o PRI, firmada no mês de abril, quando a Amec se tornou network supporter da instituição no Brasil (leia mais).

Estágio no Brasil e no Mundo

Fábio Coelho ressaltou sua visão de que a Europa está bastante adiantada em comparação não apenas com o Brasil, mas também em relação aos EUA. “A adoção dos princípios ESG no Brasil ainda é muito heterogênea, e tem sido maior em assets que tem a base fora do país, ainda que haja boas exceções em gestoras domésticas e em fundos de pensão”, disse.

Coelho percebe que o tema tem ganhado relevância, mas não da maneira desejada. “Vemos uma curva de aprendizado, mas ainda não como gostaríamos”, comentou. Ele ressaltou o papel dos investidores institucionais em colocar requisitos para investir em empresas que ainda não adotam os critérios ESG em sua gestão. “Os institucionais têm um papel importante para capitanear a mudança. Esse papel dos investidores pode ter um peso até maior que mudanças regulatórios para gerar incentivo na difusão de práticas de sustentabilidade”, defendeu o Presidente da Amec.

Capitalismo de Stakeholders

Fábio Alperowitch, da Fama Investimentos. Foto: Silvia Zamboni/Valor
Fábio Alperowitch, da Fama Investimentos. Foto: Silvia Zamboni/Valor

Fábio Alperowitch apresentou sua visão de atraso na evolução dos critérios ESG no país. “Tem muita gente que não percebeu que o próprio capitalismo mudou”, comentou. Ele explicou que antes a economia das empresas tinha foco exclusivo em resultados financeiros. Agora, estamos presenciando o “capitalismo de stakeholders” que, além de contemplar o interesse dos acionistas, considera os benefícios para múltiplas partes interessadas na empresa.

“É preciso adotar uma abordagem de gestão para todos os stakeholders e, com isso, será possível melhorar a valuation da empresa ao longo do tempo, com a mitigação de riscos”, disse Alperowitch. Ele citou como exemplo, a importância de manter um bom ambiente de trabalho, com boa remuneração, o que tende a gerar menor turnover, menos litígios trabalhistas e maior retorno a médio e longo prazo.

Fundos de pensão

Marcelo Seraphim ressaltou que um dos avanços importantes da disseminação dos critérios ESG no Brasil foi

Marcelo Seraphim, do PRI
Marcelo Seraphim, do PRI. Foto: Divulgação.

decorrente do projeto “O Dever Fiduciário no Século 21”. Em discussões com representantes do governo e da Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar), houve oportunidade de incluir os critérios ESG nas regras de investimentos dos fundos de pensão brasileiros.

Em 2018 foi aprovada a Resolução CMN 4.661 que substituiu a antiga regra de investimentos do setor. O novo normativo englobou diversos aspectos dos princípios ESG. Apesar dos avanços no Brasil, o representante do PRI reconheceu que o atual estágio de utilização dos critérios de investimentos responsáveis no país ainda está bastante atrasado se comparados a outros países.

“Obviamente que o Brasil precisa avançar. Falta colocar o ESG no DNA”, disse Seraphim. No entanto, ele ressaltou que o país tem avançado significativamente com o aumento de signatários do PRI, com crescimento de 28% nesse número no ano passado entre os institucionais brasileiros.

Cenário de pandemia

Coelho reforçou o papel dos investidores na cobrança de ações de enfrentamento da crise provocada pela pandemia pelas empresas. Ele observou que o aspecto “S” (Social do ESG) está se sobressaindo nas ações das companhias, com ações de prevenção que visam a segurança dos colaboradores. “Os boards têm o papel de cobrar do management ações com foco em médio e longo prazos na questão social”, disse.

Alperowitch, por sua vez, analisou que o advento da pandemia é um evento doloroso e que está provocando mudança estrutural em diversos setores. Ele comparou a crise atual com eventos climáticos que não oferecem a possibilidade do “point of return” e advertiu que as novas gerações já incorporaram a sensibilidade do tema ESG no DNA. “As empresas que ainda se omitem na adoção de critérios de sustentabilidade ou sociais, como por exemplo, o combate ao racismo, serão muito cobradas pelos mais jovens. A história vai cobrar essa conta”, comentou o Sócio da Fama.

Com visão otimista, Seraphim disse que apesar do novo Coronavírus contribuir para expor as fraturas da sociedade e da economia, hoje os países estão muito mais preparados que há 10 anos. Ele citou o exemplo da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, que enviou comunicado para todas as investidas para cobrar ações no enfrentamento da crise.

Integração e Disclosure

Os participantes do webinar expuseram também durante os debates a preocupação que as adesões aos princípios possam se expressar em adoção concreta das práticas ESG na decisão dos investidores e gestores, não apenas funcionando na aparência, na prática denominada “green washing”. “Estamos fazendo um trabalho atualmente justamente para combater o que se chama de green washing. Muitas vezes, lançar um fundo que se diz ESG não quer dizer muita coisa”, disse Seraphim.

Um dos pioneiros na inclusão dos princípios ambientais em seus fundos no Brasil, Alperowitch defendeu que as assets e empresas devem incorporar os critérios ESG em todas as decisões de investimentos e em todos os produtos e processos. “Não dá pra separar a área de investimento responsável ou algum produto específico dos demais. O melhor é incorporar os princípios em todos os investimentos, senão fica contraditório”, defendeu.

Ele explicou que a separação dos produtos e áreas funciona como uma permissão para que os produtos e fundos que não são classificados como ESG adotem investimentos não sustentáveis. Além da contradição, é um risco que provavelmente irá prejudicar o desempenho de tais fundos no futuro. Alperowitch defendeu ainda a unificação das informações ESG em um único relatório das empresas. Ou seja, ele acredita que não é adequado manter um relatório de sustentabilidade apartado de outros documentos públicos das companhias.

Na mesma linha, Fábio Coelho defendeu que todas as informações sobre ações socioambientais poderiam ser incluídas no Relatório Anual das empresas para facilitar o acesso aos interessados, sejam investidores ou público em geral. Ele afirma que a publicação dessas informações nos formulários de referência das companhias não é eficaz.