Fundos de pensão vão às compras no mercado internacional

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O ano de 2021 sinaliza dificuldades tão ou mais desafiadoras quanto as de 2020 para os investimentos dos fundos de pensão domésticos. Além do principal desafio, que é o de atingir ou superar as metas atuariais (ou benchmarks) dos planos de benefícios em ambiente de escalada inflacionária e juro real próximo de zero nos títulos públicos, os gestores das fundações buscam estratégias rentáveis que possam, ao mesmo tempo, contribuir para mitigar os riscos. Entre as opções que já trouxeram ganhos em 2020 – seja pela rentabilidade, seja pela variação cambial – e prometem tomar ainda maior impulso este ano, estão as aplicações em fundos no exterior, com estratégias cada vez mais sofisticadas em termos geográficos, setoriais e temáticos.

Alocar no exterior tem sido uma experiência heterogênea entre as fundações, que são limitadas pela regulação (Resolução CMN 4.661/2018) e podem investir no máximo até 10% de seus recursos em fundos que aplicam em ativos internacionais. Algumas delas já estão muito perto disso. No entanto, muitas estão fora desse mercado, inclusive várias fundações de grande porte como Funcef e Real Grandeza.

Andrea Morata Videira, da Funcef. Foto: Divulgação.

Na Funcef, fundo dos funcionários da Caixa, a opção pelo exterior é a mais nova vertente da diversificação e tem estreia prevista para o segundo semestre deste ano, segundo explica a Diretora de Investimentos da fundação, Andrea Morata Videira. “Em 2021, independentemente do patamar do juro, o produto mais importante será a diversificação em si, como estratégia, o que nos dará acesso a mais setores da economia e a mais regiões; isso é mais importante do que apenas tomar risco para pagar a meta atuarial do ano”, afirma a Diretora.

Para avançar nessa direção, a Funcef manteve o mesmo pipeline de renda variável que tinha no ano passado, mas abriu espaço também para ativos no exterior, com o objetivo de ampliar a diversificação da carteira.  A renda variável responde atualmente por cerca de 31% dos ativos totais da fundação, com investimentos da ordem de R$ 25 bilhões, mas a parte líquida dessa carteira atinge cerca de R$ 11 bilhões, ou pouco menos de 15% do patrimônio total, sendo o restante representado por participações relevantes nas empresas.

A alocação global já estava autorizada pela política de investimentos da entidade, mas até agora não havia sido posta em prática. Com um patrimônio total de R$ 80 bilhões, a Funcef pretende investir no exterior, por enquanto, até 1,5% desses ativos, fatia equivalente a um volume de R$ 1,2 bilhão e que será alocada exclusivamente por meio de um fundo local que irá buscar fundos lastreados em ativos líquidos de renda variável e de renda fixa global.

O mandato será totalmente terceirizado e as conversas têm sido feitas junto a várias casas gestoras no exterior para avaliar as possibilidades, observa o Gerente de Renda Variável da Funcef, Jorge Ricardo Nobre. “Queremos ser o mais assertivo possível, para fazer as aplicações de maneira sólida e não comprometer essa classe de investimento, que tende a ser cada vez mais relevante para diversificar”, diz o Gerente.

Mais da metade da carteira teórica internacional será destinada à renda variável e a outra parte será alocada em ativos de renda fixa global. “Eles terão total liberdade para definir a alocação, assim como a utilização de estratégias em moedas e outros instrumentos disponíveis nos mercados, desde que não apliquem em ativos ilíquidos”, conta Nobre.

A Funcef planeja a contratação de mandatos customizados. “Há diversas estratégias disponíveis lá fora, como os fundos long and short de crédito e outros que ainda não temos no Brasil ou, em muitos casos, não têm track record suficiente no país”, explica Andrea.  Ela ressalta o interesse também pelas ações de empresas de tecnologia em diversas partes do mundo. Para a primeira experiência, foram estabelecidos os benchmarks globais que a fundação pretende utilizar tanto em renda variável quanto renda fixa. “A partir disso, contaremos com a capacidade dos gestores para aglutinar todas as possibilidades num único veículo”, diz a Diretora.

Real Grandeza

Sérgio Wilson Fontes, da Real Grandeza. Foto: Divulgação.

Para a Fundação Real Grandeza, a decisão de investir no exterior tem exigido um processo cuidadoso de análise, mas deve deslanchar no segundo semestre deste ano. “Perdemos o timing dos grandes ganhos com a variação entre o dólar e o real no ano passado e neste início de ano. Quem alocou no exterior nesse período conseguiu ganhar com essa onda e capturou uma forte diferença cambial, mas nós ainda não estávamos investindo nessa modalidade. Então agora é preciso avaliar cuidadosamente as perspectivas cambiais”, diz o diretor-presidente da Real Grandeza, Sérgio Wilson Fontes.

A fundação, que já havia incluído a previsão de alocação no exterior em sua política de investimentos em 2020, subiu o limite na política deste ano, passando o teto de 4% para 5% de seu patrimônio total. O percentual alvo para alocação também subiu, saindo de 2% previstos no ano passado para 2,5% a serem investidos ainda em 2021. “A mudança está de acordo com os nossos estudos de ALM e deveremos investir ao menos uma parte desse alvo ao longo do segundo semestre”, explica Sérgio Wilson.

A questão do câmbio, que não pode ser vista como único fator determinante, é importante o suficiente para exigir cautela, afirma o dirigente. “Precisamos ter calma, até porque o boletim Focus, do Banco Central, projeta dólar a R$ 5,26 este ano e R$ 5,00 em 2023, então haveria aí uma perda e sabemos que contratar proteções contra a variação cambial tem custos”, diz ele.

Apesar disso, a decisão de finalmente concretizar a alocação global está fundamentada em um ponto que vai além do simples ganho ou perda cambial, reconhece Fontes. “Esse é um movimento que veio para ficar e precisamos ir buscar estratégias que nos permitam descorrelacionar gradualmente os nossos investimentos do chamado “kit Brasil”, procurando alternativas nos mercados de bolsa, moeda, real estate, crédito e outros lá fora”.

A busca por melhores rentabilidades nos ativos globais não será comprometida pela alta da taxa Selic este ano, avalia Fontes. Ele lembra que a Selic deverá chegar a 5% este ano, mas a inflação ficará um pouco menor do que isso e, portanto, o ganho real nos títulos públicos domésticos ainda será muito baixo.

A Real Grandeza está concluindo a etapa de elaboração de seu manual de seleção de gestores da parcela internacional para em seguida definir a escolha dessas casas. Embora as estratégias ainda não estejam definidas, a ideia é aproveitar ativos indexados ao S&P 500 e talvez fundos de índices (ETFs) mas também ter gestores de retorno absoluto, abrindo o leque de oportunidades.

Ampliação do limite

A Petros revisou suas políticas de investimentos para os próximos cinco anos (2021-2025), atualizando os objetivos e diretrizes de gestão de ativos, como ocorre anualmente, levando em consideração as características de cada plano de previdência – como modalidade, maturidade e obrigações –, bem como o cenário econômico e os critérios de exposição a risco em busca de rentabilidade.

Alexandre Mathias, da Petros. Foto: Divulgação.

Uma das novidades é o aumento do limite máximo de alocação no segmento de investimentos no exterior, que passará de 5% para 10% em conjunto com a redução do limite máximo da exposição à renda variável, de 45% para 40%. A fundação não possui atualmente alocações no exterior. “O processo de due diligence dos gestores para investimentos fora do país está em fase final, com previsão de início das alocações de forma gradual, por meio de um projeto-piloto, ainda neste primeiro semestre, considerando sempre as condições macroeconômicas e de mercado.”, destaca o Diretor de Investimentos da Petros, Alexandre Mathias.

Segundo ele, investir no exterior é uma estratégia fundamental de diversificação de riscos, permitindo maior sofisticação do portfólio na medida em que cria uma proteção para as carteiras dos planos, dado que esses investimentos possuem baixa correlação com ativos locais.

Experiência acumulada

Rogério Tatulli, da Previ-Ericsson. Foto: Divulgação.

Para a Previ Ericsson, o aprendizado em diversificação começou há dez anos e envolveu apostas em diversas classes de ativos – Fundos de Investimento em Participação (FIPs), incluindo FIPs florestais, Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) e fundos que investem no exterior, em processo que tem sido refinado ao longo do tempo. “Fomos bem rigorosos e aprendemos muito nesse período; o avanço regulatório de lá para cá também ajudou, com a edição da Resolução CMN 4.661 que veio aprimorar a norma anterior”, enfatiza o Diretor Superintendente da Previ Ericsson, Rogério Tatulli.

Os três planos da fundação investem em fundos no exterior, representando ativos que já respondem por 8,2% do seu portfólio total e o retorno tem sido compensador, diz Tatulli. “Os resultados são bastante interessantes, tanto pela capacidade dos gestores agregarem retorno a esses investimentos, quanto pela variação cambial que acabou sendo um plus na rentabilidade dessa classe”, afirma o dirigente.   Em 2020, o retorno da classe de exterior para a carteira do plano de Benefício Definido da entidade foi de 29,9% contra uma rentabilidade de 9,48% na renda fixa e de 2,47% na renda variável local.

A estratégia global é híbrida, numa mistura de renda variável e de renda fixa, sendo que apenas a parcela de renda fixa tem hedge cambial. Em 2021, essa combinação será mantida e a expectativa é de que o limite legal de investimento, hoje restrito ao teto de 10% dos ativos totais, seja ampliado. A flexibilização legal é essencial, segundo Tatulli, porque, com mais de 8% de seu patrimônio alocados no exterior, a Previ Ericsson está sujeita a um desenquadramento passivo a qualquer variação cambial. “Esperamos que venha uma mudança regulatória que nos permita chegar até 20% dos ativos, esse seria um avanço importante para voltarmos a crescer no exterior”, aponta Tatulli.

Ele observa que o sistema de fundos de pensão demorou muito a perceber a necessidade de ir aos mercados globais, o que foi um erro estratégico. “Nós começamos em 2011, quando havia pouca demanda já que o juro/CDI estava nas alturas e pagava muito bem a meta atuarial. No início, tínhamos apenas um fundo de BDRs (Brazilian Deposit Receipts) mas, com a Resolução 4.661, a oferta começou a melhorar e novos produtos vieram gradualmente e hoje o mercado traz oportunidades num leque grande e saudável de alternativas”, diz Tatulli.

O Diretor da Previ Ericsson ressalta que a curva de aprendizado nesses dez anos ensinou a entidade a selecionar gestores e permitiu obter rentabilidades excepcionais. “Trabalhamos com gestores que têm uma linha de atuação afinada conosco, sem alavancagem, com investimentos robustos e processos claros, com boa governança e que sigam princípios de sustentabilidade em questões ambientais, sociais e de governança, até porque o ESG está no DNA de nossa patrocinadora, a nórdica Ericsson”, diz.

“A beleza de ir para o exterior é acessar empresas e regiões que estão em outra pegada de desenvolvimento econômico e para isso deixamos a escolha dos ativos a cargo dos nossos gestores, de acordo com sua distribuição geográfica e estratégias interessantes. Alguns desses fundos investem em empresas que nós nem sequer conhecíamos, mas quando olhamos para elas descobrimos que são muito grandes e de elevado potencial”, conta Tatulli.