Fundos de pensão ampliam alocação no exterior e demandam maior limite na regulação

Print Friendly, PDF & Email

Os fundos de pensão brasileiros estão se preparando para realizar uma forte ampliação das alocações em fundos de investimentos no exterior. O ano de 2020 já foi marcado por um importante aumento dessa classe de ativos nos portfólios das entidades fechadas de previdência (EFPC). Mas será em 2021, com as novas políticas de investimentos, que o movimento será consolidado, segundo previsão de consultores e especialistas do setor.

Guilherme Benites, da Aditus. Foto: Divulgação.

A Consultoria Aditus já verificou que a alocação média em fundos no exterior de seus clientes aumentou de apenas 0,7% no final do ano passado para pouco mais de 2%, segundo posição de novembro de 2020. “Em 12 meses, ocorreu a triplicação na média dos investimentos no exterior. Mas a tendência deve se fortalecer muito mais a partir do ano que vem”, prevê Guilherme Benites, Sócio-Diretor da Aditus. O levantamento conta com a participação de 120 fundos de pensão com total de patrimônio de aproximadamente R$ 250 bilhões.

Durante o ano, mesmo em um cenário de pandemia, o consultor revela que houve maior procura por fundos de investimentos no exterior. “Após o pior momento da crise, por volta do mês de maio, quando os mercados se acalmaram, houve aumento da percepção que os investimentos no exterior se recuperariam mais rapidamente que os mercados domésticos”, diz Benites. A partir de então, as alocações nos mercados internacionais foram reforçadas para quem já contava com limites aprovados em suas políticas de investimentos.

A Consultoria Mercer também está verificando o fortalecimento dessa tendência. Pesquisa realizada no mês de outubro com 53 fundos de pensão, que juntos concentram patrimônio de R$ 275 bilhões, mostrou que, embora um pouco mais de um terço das entidades não invista atualmente no exterior, apenas 10% não planejam evoluir em direção ao desenvolvimento de uma estratégia global de investimentos.

Maurício Martinelli, da Mercer. Foto: Divulgação.

“A primeira importante mensagem que conseguimos depreender é também uma confirmação do que temos tratado com os clientes e a indústria de fundos de pensão durante os últimos anos: a expectativa de baixo retorno no mercado doméstico, assim como seu maior risco, foram os grandes motivadores para investirem no exterior e avaliarem aumentar tal exposição”, explica Maurício Martinelli, Líder da Área de Investimentos da Mercer.

Ele revela ainda que cerca de 60% das entidades pesquisadas pretendem aumentar a alocação no exterior em 2021. O levantamento apontou que o total dos recursos investidos globalmente da amostra deverá subir dos atuais R$ 3,5 bilhões para mais de R$ 6 bilhões no próximo ano. “Já passou o tempo em que o passivo dos planos administrados pelas fundações era coberto com folga apenas por títulos públicos marcados na curva. Atualmente a economia brasileira apresenta níveis de juros nos níveis internacionais e não há sinalização que isso irá voltar ao que era antes”, comenta Martinelli.

Guilherme Benites coincide com a análise e explica que a queda e manutenção dos juros em patamares reduzidos impulsionaram os fundos a ampliarem a alocação em ativos de risco inicialmente do mercado doméstico. A partir desse movimento, muitas entidades fechadas, ao ampliar as posições em Bolsa local, passaram a utilizar a alocação em fundos no exterior para contrabalancear o risco dos ativos domésticos.

As aplicações nos mercados internacionais permitem, além de maior diversificação regional e de setores, também o acesso ao risco cambial, segundo os consultores. “O investimento no exterior tem a vantagem de permitir a diversificação do risco cambial, conferindo maior equilíbrio às carteiras”, conta Benites. Outra vantagem apontada pelo consultor é o acesso a ativos e setores que não estão representados na Bolsa local, como por exemplo, empresas farmacêuticas ou grandes companhias de tecnologia, como Google ou Apple.

A Bolsa doméstica possui baixa representação e diversidade em setores como tecnologia e health care. “Até existem algumas ações na Bolsa local, mas falta amplitude de empresas e opções em cada setor”, aponta Martinelli. Ele indica as perspectivas menos promissoras para os cenários da economia brasileira como um fato que incentiva a maior diversificação e exposição aos mercados internacionais. “A economia doméstica está muito atrasada em termos de crescimento econômico. Isso vem ocorrendo desde 2015, com um longo processo de estagnação do PIB”, comenta o consultor.

Martinelli prevê um forte aumento da alocação no exterior, principalmente por parte dos planos de contribuição definida (CD) que enfrentam maiores desafios para alcançar melhores retornos. Os planos de benefício definido (BD) ainda se apoiam em carteiras de títulos públicos marcados a vencimento (na curva) que permitem o casamento com o passivo no médio e longo prazo. Mas os planos CD, apesar de não apresentarem risco de desequilíbrio atuarial para as empresas patrocinadoras, não podem seguir com rendimentos baixos de maneira a prejudicar a formação de poupança para os participantes.

“Nos planos CD o risco apenas mudou de lado, ficou para o participante. Com o aumento da longevidade, é cada vez mais importante buscar uma alocação que permita melhores retornos ao longo do tempo”, indica Martinelli. Apesar disso, o consultor explica que um dos problemas dos gestores é o “home bias” que é uma tendência a permanecer com alta concentração no mercado doméstico.

Outra pesquisa da Mercer indicou que o Brasil só fica atrás da Indonésia em um grupo com 12 países emergentes com a maior concentração de alocações de fundos de pensão em ativos no mercado local. “Os fundos brasileiros não tinham a cultura de investir no exterior e nem a necessidade. Agora a situação mudou rapidamente”, comenta o consultor da Mercer.

Vivest

Um caso prático do setor de fundos de pensão é o da Vivest, antiga Funcesp. Com 4 planos de benefícios, dois deles de benefício definido, que somam patrimônio de R$ 23 bilhões, e que possuem baixa exposição ao exterior devido ao casamento do ativo com passivo. Já outros dois planos de contribuição variável (CV) que somam patrimônio de cerca de R$ 10 bilhões, possuem 9% de alocação em fundos no exterior.

Jorge Simino, Diretor de Investimentos da Funcesp
Jorge Simino. da Vivest. Foto: Silvia Costanti/Valor.

“Nossos planos BD já estão fechados e não precisam buscar maiores alocações de risco. Já os planos CV, que permanecem abertos, precisam buscar melhor retorno e, por isso, viemos ampliando a alocação no exterior nos últimos anos”, mostra Jorge Simino, Diretor de Investimentos da Vivest. Ele diz que existe uma necessidade de ampliação do limite permitido pela Resolução CMN n. 4.661/2018, que indica a alocação máxima de 10% do patrimônio do plano.

“Está certo que o Chile é um ponto fora da curva, mas lá a legislação permite até 80% de alocação no exterior. Mas vamos considerar um caso mais parecido com o Brasil. Os fundos de pensão do México alocam entre 15% e 20% do patrimônio em ativos no exterior”, diz Simino. Ele defende que o limite no Brasil deveria subir para 20% ou até 25%. A política de investimentos dos planos CV da Vivest para 2021 aprovaram o limite máximo de 10%, mas se houvesse maior espaço, a meta seria de 20%.

“Se tivéssemos maior limite, acredito que iríamos para 20% em investimentos no exterior no próximo ano. Atualmente, o cenário internacional é mais favorável que o nacional. Há problemas lá fora, claro que sim! Mas também tem mais ferramentas para combater as dificuldades da economia”, explica o Diretor de Investimentos. Ele aponta que o cenário doméstico mostra um risco cada vez mais alto para o país.

Evolução nas regras

A regulação que rege os investimentos dos fundos de pensão no Brasil veio evoluindo ao longo do tempo para permitir maior alocação. A norma anterior, a Resolução CMN n. 3792/2009 já permitia a aplicação de até 10% do patrimônio dos planos em fundos no exterior. Ela tinha representado um avanço importante da norma anterior, que permitia apenas 3%. Porém, a Resolução 3792 impunha o limite ao fundo de pensão de alocar no máximo 25% das cotas do fundo de investimentos local.

Leonardo Ozorio, da Luz Soluções Financeiras. Foto: Divulgação.

A regra dificultava a entrada principalmente dos pequenos e médios fundos de pensão porque contavam com volumes reduzidos para investir no exterior. As grandes fundações como Previ, Petros, Funcef e Valia é que saíram na frente e começaram a se juntar para investir nos fundos com ativos internacionais. A Resolução 4.661 derrubou o limite de 25% no fundo local, deixando apenas o limite de até 15% das cotas no fundo destino, lembra Leonardo Ozorio, Diretor de Clientes Institucionais da Luz Soluções Financeiras.

Com posição diferente de outros consultores, Ozorio acredita que o limite de 10% da Resolução atual é suficiente para permitir a expansão dos investimentos no exterior. “A média ainda é baixa, chega a no máximo 5% ou 6% nos planos CDs. São poucas as entidades que efetivamente estão próximas dos 10%”, comenta o especialista. Ele aponta ainda que há opções além dos fundos no exterior para ampliar a alocação internacional. Uma das opções é o investimento em BDRs nível 2 ou via fundo multimercado estruturado.

A Luz Soluções presta consultoria de investimentos para 25 planos de benefícios e apenas 36% deles alocam no exterior, com uma média de 4% do patrimônio. Para as políticas de investimentos para 2021, mais dois planos estão abrindo limites no exterior.

Opções limitadas

Com o aumento da demanda dos fundos de pensão, as assets deverão se preparar melhor para oferecer opções de fundos mais diversificados no exterior. “As assets estão devendo um pouco. Há muitas opções para as maiores fundações que podem abrir fundos exclusivos, com portfólios balanceados, mas faltam melhores opções para entidades menores”, diz Benites, da Aditus. Os fundos de pensão de menor porte ainda sentem dificuldade em montagem do portfólio no exterior, pois faltam fundos que ofereçam mix de renda fixa e variável. “É um flanco diferenciado que falta desenvolver no mercado”, diz.

Martinelli, da Mercer, vai na mesma linha. “Os gestores de investimento precisarão desenvolver estratégias diferenciadas para atender essa demanda crescente e cada vez mais exigente”, avalia o consultor. Ele diz que somente as estratégias passivas de renda variável, até pouco tempo produto padrão oferecido no mercado local, não serão suficientes para responder às necessidades e anseios das entidades. “É um desafio importante a ser enfrentado pelos gestores locais e grande oportunidade para os gestores globais”, aponta o consultor da Mercer.

Ozorio, da Luz Soluções recomenda cuidado para a seleção dos gestores e fundos no exterior. “Precisa ser um gestor especialista, com boa capilaridade e track record. É importante analisar o histórico de retorno, com ênfase no desempenho em períodos difíceis. O tamanho também é importante”, diz.

Ele indica ainda que o ideal é que a política de investimentos considere a alocação no exterior dentro de cada classe de ativos. Ou seja, é mais indicado considerar a alocação internacional separadamente nas carteiras de renda fixa e variável. O Diretor da Luz Soluções acredita que no futuro a regulação e o supervisor também deveriam caminhar para privilegiar a gestão de ativos no exterior separadamente em cada carteira.