Entrevista Reinaldo Le Grazie: Tremenda expansão fiscal no mundo está puxando o Brasil

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Apesar das crises política e sanitária que atingem o Brasil, além dos problemas decorrentes da pandemia, os mercados domésticos começam a reagir e dar sinais de recuperação. Em entrevista exclusiva ao Panorama Amec, o ex-Diretor de Política Econômica do Banco Central, Reinaldo Le Grazie comenta os indicadores mais positivos que apontam para uma recuperação da economia brasileira. “O mercado está comprando ativos globais. E nós estamos indo junto com os emergentes. O mundo está indo bem e nós estamos seguindo”, disse em trecho da entrevista.

Reinaldo Le Grazie, Panamby Capital. Foto: Divulgação.

Com longa experiência, com passagens por casas como Bradesco Asset Management e Lloyds Bank, e após período no Banco Central de 2016 a 2018, decidiu se lançar em novo desafio. Assim nasceu a Panamby Capital, fundada há pouco mais de seis meses.

Panorama Amec – Como avalia os impactos da pandemia na economia brasileira?

Reinaldo Le Grazie – O choque foi brutal. Desapareceu a liquidez. Começou com um choque de oferta com as cadeias de produção impactadas e depois se transformou em tremendo choque de demanda. As pessoas perderam renda de repente e o papel dos governos foi o de garantir a solvência de famílias e empresas.

PA – E nas ações de política monetária, qual é a sua avaliação?

LG – Do lado monetário, a intenção foi garantir a solvência do sistema. Em primeiro lugar era preciso manter o funcionamento do sistema financeiro, depois ajustar a política monetária para um cenário muito mais fragilizado da economia e atuar no mercado de crédito. Para manter o funcionamento do sistema financeiro, o Banco Central foi muito eficiente, pois rapidamente disponibilizou vários instrumentos, alguns deles nem chegaram a ser utilizados. O mais importante é que o BC se mostrou líder na garantia da liquidez do mercado.

PA – A velocidade da reação foi adequada?

LG – O Banco Central caminhou por uma estratégia um pouco diferente do resto do mundo, que adotou uma redução rápida e forte logo na largada. Com uma crise de iliquidez, todos querendo mais crédito, todos querendo mais caixa, a crise foi absolutamente recessiva e deflacionária. Tem crise que é inflacionária, mas agora foi tudo para baixo. Quase todos os Bancos Centrais baixaram as taxas rapidamente. No Brasil, o BC não buscou uma estratégia mais gradualista na primeira reunião do Copom, depois cortou mais 0,75 ponto percentual e terá outro corte de 0,75 ponto percentual que está praticamente dado. Então foi mais gradual, eu não estou criticando. Eu teria feito top loaded, como lá fora, mas também não está errado como fez aqui.

PA – E como estão sendo os resultados?

LG – Os cortes foram importantes porque o CDI e a Selic fazem diferença no custo do crédito. Quando se derruba o CDI, derruba-se o crédito. Então a política monetária do Brasil também foi ajustada de maneira mais gradual e isso está gerando alívio para as empresas.

PA – Como continua a trajetória de juros?

LG – O Banco Central deve parar em 2,25%. Talvez até deixe a porta aberta, pois nunca se sabe o que vem pela frente. Mas acho que chega nos 2,25% e diz o seguinte, fizemos o que dava pra fazer. Dá pra ir mais pra baixo? Sim, dá pra baixar ainda mais, mas não sei o Banco Central daqui vai usar o recurso de levar a taxa mais para baixo agora. A minha previsão é que vai parar por aí. O Brasil nunca trabalhou com uma taxa nominal tão baixa. E o nosso sistema financeiro é muito sólido, muito bom e temos de preservar isso. Não acho que chegará a um nível de taxa nominal zero.

PA – E como a economia está reagindo?

LG – Se olharmos os indicadores de maio, vieram melhores que o mercado esperava para quase todos os dados divulgados. Se olharmos para outros lugares, na China a recuperação foi muito rápida. Nos Estados Unidos está vindo uma recuperação também. No Brasil, os dados estão vindo um pouco melhor que o esperado. É ruim ainda, nossa previsão é de uma queda do PIB em menos 4,5% a 5%. Mas o mercado esperava uma queda maior, chegou a até 10% negativos.

PA – O que explica os dados virem melhores que o esperado?

LG – O principal fator que explica isso é uma tremenda expansão fiscal no mundo e no Brasil também, com o corona voucher. Foi uma medida acertada para prover capacidade e apoio à subsistência e ajudar os negócios e as empresas para atravessar esse período. É a expansão fiscal, o principal motor dessa recuperação mais rápida do que imaginávamos antes.

PA – Qual a sua análise do movimento de câmbio?

LG – O dólar saiu de 4 reais e começou a se valorizar. Já tinha um preço inadequado antes da crise. Quando veio a pandemia, o dólar deu um overshooting, por vários motivos que justificaram o pico de R$ 5,80 a R$ 5,90. A tremenda crise global em que os ativos de países emergentes desvalorizaram mais que nos mercados avançados explica o movimento. Dentro da classe de emergentes, a América Latina perdeu mais. E dentro da América Latina, o Brasil foi pior, porque além crise externa que todos passaram, aqui tivemos uma crise política junto com o problema sanitário, que bem tratada.

PA – E isso tudo espantou os investidores estrangeiros, não é mesmo?

LG – O Brasil ficou sem nenhum brilho, por isso não atraiu os investidores estrangeiros por nenhum preço. Assim, o dólar foi subindo. O Banco Central atuou muito bem em deixar o dólar avançar, porque o impacto da inflação seria muito baixo. E daí o mercado achou seu próprio preço. Achou que R$ 5,90 era demais e agora começou a ajustar. O dólar ajuda o Brasil a acertar suas contas, mas não tinha sentido em ficar acima de R$ 5,80. Agora o dólar caiu para menos de R$ 5. E parece que o Real vai se valorizar um pouco mais porque estamos em um cenário que chamamos de risk on.

PA – E de que maneira o Brasil pode se beneficiar desse cenário global?

LG – O mercado está comprando ativos globais. E nós estamos indo junto com os emergentes. Estamos sendo arrastados pelo mundo. O mundo está indo bem e nós estamos seguindo. Tem duas questões idiossincráticas que ajudam. A crise política que estava no grau vermelho, agora foi para o nível laranja. A crise política amenizou um pouco. E havia uma grande preocupação com o fiscal, mas o governo já se apressou em dizer que o corona voucher não será permanente. E já se falou em duas de 300 reais ao invés de valores maiores. Isso sinaliza que o fiscal não será abandonado.

PA – E como trazer o estrangeiro de volta?

LG – Temos que voltar com a agenda de reformas e manter a austeridade fiscal. São as principais linhas de atuação. As reformas estão com um cenário bem complicado, o ambiente está muito comprometido, o que é muito ruim. Do ponto de vista fiscal, eles deram um sinal de mais de responsabilidade, o que é bom. Se fizer essas duas coisas, terá as condições para preparar a economia brasileira e o estrangeiro olhará novamente para o Brasil.

PA – Como avalia o comportamento dos investidores locais?

LG – O institucional estava aumentando sua parcela em ativos de risco, tanto Bolsa quanto multimercados. Esse movimento vai continuar. Apesar da NTN-B ter aumentado de preço, porém as metas atuariais das fundações fazem com que voltem a comprar o risco. O movimento vai continuar assim. A surpresa foi a pessoa física, que não vendeu a carteira, como muitos imaginavam. Ao contrário, não só segurou como voltou a comprar. Isso revela um grande amadurecimento da indústria de investimentos no Brasil.

PA – O que explica o comportamento mais resiliente do investidor pessoa física?

LG – A taxa de juros baixa é o principal driver desse movimento. O investidor está entendendo que com 2% ou 3% ao ano não vai conseguir ter grandes ganhos. Tem uma migração para uma pizza de investimentos mais saudável.

PA – E vocês lançaram a asset um pouco antes da pandemia. Como foi o impacto sobre o planejamento de vocês?

LG – Nós fizemos seis meses na semana passada. Fizemos a primeira divulgação de rentabilidade de nosso fundo, que foi excelente. Abrimos a asset em um momento diferente, que tinha muita liquidez, com dinheiro caminhando para risco e taxas de juros baixas. Hoje o mercado está tenso, mais inseguro, mas continua com muita liquidez e juros baixos. Obviamente os investidores estão mais assustados, mas ao mesmo tempo, precisam de oportunidades.

PA – Por fim, poderia comentar a estratégia de gestão da asset?

LG – Nosso fundo tem um percentual grande de ações na carteira. Temos uma variação interessante, podemos atuar com várias estratégias. Essa variação tem permitido uma rentabilidade excepcional. É um multimercado com variações de estratégia inclusive em ações. É uma casa fundamental, com análise fundamentalista tanto para a economia quanto para o mercado de ações. Temos um top down para a economia e um bottom up das ações. A intenção é extrair resultado de todos os mercados.