Entrevista Pedro Melo, Diretor Geral do IBGC: Governança está em alta com aquecimento do mercado de capitais

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Passado o impacto inicial da crise nos meses de março e abril, a agenda socioambiental e da governança corporativa nas empresas se fortaleceu e continua em alta com o aquecimento do mercado de capitais, a retomada dos processos de IPOs e a captação de recursos pelo setor privado. É o que mostra o Diretor Geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, Pedro Melo, em entrevista exclusiva ao Panorama Amec.

“A governança está em alta seja pela demanda das companhias, no mercado de capitais, seja nos private equities, nas empresas familiares, em todos os segmentos”, diz o executivo. Ele aborda os principais temas e iniciativas do Instituto na pandemia e as perspectivas do pós-Covid, além de traçar os pontos de contato e a importância da parceria com a Amec e com investidores institucionais.

Melo prevê que a agenda ESG (Ambiental, Social e Governança) deve continuar ganhando importância e, com isso, abre um campo de iniciativas conjuntas. Confira a seguir a entrevista na íntegra:

Panorama Amec – O que mudou na governança corporativa das empresas com a pandemia?

Pedro Melo, Diretor Geral do IBGC. Foto: Divulgação.

Pedro MeloNo mês de abril decidimos fazer uma pesquisa com administradores para buscarmos diagnósticos mais aprofundados. Verificamos a implantação de gerenciamentos de crise que colocaram as pessoas no centro das preocupações. O gerenciamento econômico e financeiro também se mostrou atento às pessoas. Uma resposta mais ou menos óbvia, mas importante para dimensionar os desafios, foi que mais de 90% dos administradores não estavam preparados para uma crise sanitária das proporções da pandemia de Covid-19.

E qual foi a postura dos Conselhos das empresas nesse cenário?

Ficou muito clara a maior participação dos Conselhos, que encurtaram o espaço na relação com a administração. E percebemos também a maior relevância da comunicação. O ato de ser transparente se percebeu como relevante, até porque todos queriam dar contribuição mais ampla para enfrentar a crise. E as preocupações sobre saúde não ficaram circunscritas apenas aos colaboradores, mas também a fornecedores, clientes e terceirizados.

E qual a perspectiva da governança para o pós-Covid?

Os temas estão se apurando. Para o pós-Covid, estamos percebendo a ascensão do ESG, do inglês, o ambiental, social e a governança. Essa discussão não é uma novidade. Mas com a pandemia, ficou muito forte o interesse genuíno por se aprofundar nesses assuntos. As organizações procuraram se posicionar para dar a sua contribuição nesse contexto que veio para ficar.

Poderia explicar um pouco mais sobre a emergência da importância do ESG?

Aquelas organizações mais avançadas, já tinham algum processo nesses aspectos. Para essas organizações que já vinham se preparando, a pandemia veio como um grande teste para enfrentar as questões. Para aqueles que não praticavam, há um espaço grande para avançar. Se levar em consideração uma pequena empresa, passou a perceber que vive do entorno, e tem de apoiar esse meio. Se o desemprego está muito alto no entorno, tem um forte impacto. O lado social acentuou muito, ficaram mais evidentes as desigualdades e que uma parte da sociedade é mais vulnerável.

Como analisa os investimentos de impacto no Brasil?

Isso envolve uma discussão importante sobre a relação entre o público e o privado. E nesse aspecto o novo marco regulatório do saneamento básico e o fortalecimento das agências regulatórias representam avanços relevantes. Uma população melhor cuidada do ponto de vista do saneamento está menos exposta a crises como a atual. E há uma expectativa que virão regulações mais fortes em torno ao ESG. Pegando a experiência ao redor do mundo, acredito que virá um movimento de maior regulação.

E isso é positivo?

Vai ocorrer um encontro positivo. A consciência do ESG avançou. E por outro lado, a regulação será implementada. Não sabemos exatamente a dimensão dessa tendência. Percebemos que a Europa está se movimentando nessa direção. Não sabemos exatamente como será por aqui. Mas esse movimento de maior regulação no mercado europeu já vai nos atingindo indiretamente, pois os mercados estão bastante conectados. 

Como avalia a Temporada das Assembleias 2020 no cenário de pandemia?

Havia um receio no início da pandemia relacionado à realização das Assembleias digitais, mas com a tempestividade dos reguladores, com o apoio de várias organizações da sociedade civil, incluindo Amec e IBGC, houve um importante avanço. As normas editadas ajudaram a superar o medo inicial, que estava associado à falta de previsão regulatória. A tempestividade dos órgãos reguladores e dos representantes do mercado, dos investidores, essa nova regulação aliviou o estresse das companhias.

E podemos tirar alguma conclusão sobre os novos formatos das Assembleias?

Olhando para o resultado final, o balanço é positivo porque as empresas puderam aproveitar os novos regramentos e ao mesmo tempo preservar a saúde de todos os envolvidos. Se fosse presencial, teria exposição dos participantes. E na realização das Assembleias, em termos de processos e sistemas, não ouvimos nenhum relato muito problemático.

E do ponto de vista da organização interna, como tem sido a atuação do IBGC nos últimos meses?

No primeiro momento procuramos preservar as pessoas e manter os colaboradores. O Conselho do IBGC foi muito apoiador das diretrizes. A nossa primeira reação foi definir que a “voz” do IBGC precisava continuar ativa. Então, criamos uma série de webinars, o mais conhecido foi o IBGC Conecta, em que levamos os principais assuntos dos mais variados do ponto de vista de governança. Nos últimos dois meses estamos complementando com diversas ações de comunicação, seja no site ou no Blog e outros canais.

E como o aquecimento do mercado de capitais se relaciona com a governança?

A governança está em alta seja pela demanda das companhias, no mercado de capitais, seja nos private equities, nas empresas familiares, em todos os segmentos. Os stakeholders estão olhando para as possibilidades de financiamento futuras, como pode ampliar a captação no mercado de capitais. Então, a governança está aflorando. E percebemos isso no maior interesse em nossos cursos, por maior capacitação.

Considerando a semelhança no propósito das instituições, poderia comentar sobre parcerias do IBGC com a Amec?

A relação com a Amec é histórica. Temos realizado ao longo dos anos uma série de atividades conjuntas em eventos, cursos e questões de advocacy. Olhando para trás, podemos citar o aperfeiçoamento da governança das empresas estatais e também o “Pratique ou Explique”. Olhando para o futuro, temos a pauta de ESG que está trazendo muitos debates com forte envolvimento dos investidores e vemos um campo importante para iniciativas conjuntas. Gostaria de enfatizar o importante trabalho realizado pela Amec com o advocacy e a interação com o mercado para o maior engajamento dos investidores.

Nesse contexto, qual seria a importância do “Informe de Governança” e do princípio de “Pratique ou Explique”?

O informe tem uma premissa importante para conferir maior transparência para a estrutura de governança corporativa adotada pelas companhias abertas. Os investidores, têm acesso no “Pratique ou Explique” a uma informação estruturada, para realizarem suas avaliações. Quando olhamos para o processo de preenchimento, do ponto de vista da empresa, também induz o amadurecimento da governança. A forma como é constituído permite uma melhor reflexão para a governança pela própria companhia. Isso tem impacto ao longo do tempo, o que é bastante valoroso.

Algum ponto de aperfeiçoamento do “Informe de Governança” que poderia destacar?

Tem várias explicações que são muitas vezes muito curtas e que não cumprem seu papel. Ou seja, temos identificado que a informação às vezes é superficial. E aí tem um papel importante da Amec, do IBGC e das outras entidades envolvidas de trazer os pontos deficientes à tona, seja através de pesquisas ou do diálogo. Fizemos debates com as associações representativas, inclusive com participação da Amec. O ponto positivo é que 96% dos respondentes de uma recente pesquisa disseram que o informe é relevante e 90% acreditam que as informações têm impacto em suas decisões de investimentos. Isso mostra a importância do informe para o investidor.