Entrevista Otávio Yazbek: Aquecimento do mercado gera preocupações com aumento de conflitos societários

Print Friendly, PDF & Email

A retomada do movimento de IPOs e o aquecimento das operações de M&A, ao mesmo tempo que são comemorados pelo mercado, por outro lado suscitam uma série de preocupações para aqueles que buscam um aperfeiçoamento da governança das companhias e o respeito aos direitos de todos os acionistas. Em entrevista exclusiva ao Panorama Amec, o Advogado e Presidente do CAF – Comitê e Aquisições e Fusões, Otávio Yazbek, apresenta sua visão sobre o crescimento e sustentabilidade do mercado de capitais.

O ex-Diretor da Comissão de Valores Mobiliários analisa ainda o cenário atual de aberturas de capital e reestruturações societárias, apontando preocupação com a tendência de aumento do conflito entre sócios nas empresas. Nesse cenário, Yazbek coloca em perspectiva a atuação do CAF como um caminho para se buscar não só o aperfeiçoamento das operações de fusões e aquisições, mas também para a redução de conflitos entre partes interessadas.Confira a entrevista a seguir:

A despeito de tantas incertezas em cenário pós-pandemia, como avalia as perspectivas para as operações de M&A?

Otavio Yazbek, do Comitê de Aquisições e Fusões (CAF). Foto: Divulgação.

O cenário atual é marcado por uma espécie de dualidade. Desde o início da pandemia, vimos a atividade econômica bastante afetada negativamente devido ao quadro de crise. Vimos por isso uma tendência cada vez maior de surgimento de operações societárias destinadas, de modo geral, a lidar com situações decorrentes da crise. Vale dizer, as operações de fusões e aquisições realizadas a partir do advento da pandemia vieram muito mais para enfrentar as dificuldades do cenário que estavam colocadas naquele momento.

E o que aconteceu com as operações que estavam em preparação antes da pandemia?

De modo geral, as operações que estavam no pipeline antes da chegada da pandemia foram engavetadas. Por outro lado, outras operações não previstas, mas que estiveram ligadas às necessidades geradas a partir da crise, acabaram acontecendo. Da mesma maneira, vimos outros movimentos ligados à deterioração da situação econômica, como por exemplo, o aumento dos conflitos entre sócios.

Poderia explicar melhor como ocorre essa percepção de multiplicação dos conflitos?

Percebemos que situações que já eram tensas anteriormente, passaram por um maior acirramento de ânimos, além de novos conflitos. Como advogado, vejo a proliferação desses conflitos. É muito claro, quando a economia entra em dificuldades, vemos uma maior quantidade de problemas desse tipo. Vimos também o aumento dos litígios na indústria de fundos de investimentos e do contencioso societário, sobretudo nos FIDCs, fundos de participações e imobiliários.

Podemos dizer que há certa euforia como o movimento mais recente de retomada e ampliação dos IPOs?

Antes da crise e da pandemia, estávamos discutindo em como voltar a estimular as ofertas no Brasil. Estávamos pensando em como resolver problemas estruturais de nosso mercado. Sempre acho que muitos de nossos problemas não tem soluções ligadas na legislação. A maior fonte dos problemas está ligada às questões macro. A volta do movimento de IPOs também tem a ver com a macroeconomia. Não resolvemos problemas com o voto plural, com o enforcement da CVM, nem das questões de disclosure das companhias. No entanto o mercado está voltando.

Todas essas empresas têm condições adequadas para abrir o capital?

Há uma série de empresas querendo aproveitar esse momento. O que me preocupa é saber se o mercado brasileiro consegue acomodar tudo isso. Em movimentos anteriores, as pessoas se perguntaram se todas as empresas precisavam ter ido a mercado, se estavam vocacionadas para se tornar companhias abertas para captar recursos no mercado. Hoje vejo empresas que estão caminhando para uma abertura de capital, mas muitas não são vocacionadas para isso.

Quais as preocupações que decorrem de sua análise?

Temos de nos preocupar com a qualidade dessas ofertas. Algo que me pergunto também é se o mercado brasileiro terá capacidade de assimilar todas essas ofertas. Temos de analisar elementos para verificar se o movimento atual não é de “voo de galinha”. Teremos de ver se há sustentabilidade para todo esse movimento.

Nesse contexto, há espaço para mudanças em termos de aperfeiçoamento regulatório?

Entendo que temos de avançar com a discussão do processo sobre a qualidade do enforcement privado no mercado brasileiro. Estou me referindo às condições que os acionistas devem ter de responsabilizar as companhias por perdas em determinadas ocasiões. A Lei de Sociedades Anônimas prevê a responsabilização dos acionistas, mas evidentemente esses mecanismos não funcionam de maneira adequada no Brasil.

Como melhorar o enforcement para alcançar maior proteção dos acionistas?

É preciso se criar mecanismos mais efetivos para a proteção do acionista em casos de fraudes ou irregularidades nas companhias que investem. Neste ponto a Amec tem uma atuação importante. Por um lado, a estrutura da lei é ainda frágil. Por outro lado, temos de avaliar até que ponto a arbitragem pode entrar nesse enforcement. Em que medida a arbitragem pode ajudar a resolver isso? A CVM tem discutido essa questão em um pacote de debates, mas é necessário avançar mais.

Como você avalia as discussões em torno ao voto plural?

É dos pontos importantes da agenda regulatória, sobretudo para empresas de tecnologia, que precisam ir a mercado e ao mesmo tempo. Elas precisam resguardar uma posição diferenciada para os acionistas originários, ao menos durante algum período. Existe uma percepção que não contar com essa possibilidade no Brasil, ajuda a afastar empresas de nosso mercado. É importante esclarecer que a exportação dos IPOs não tem a ver apenas com o voto plural. Tem mais a ver com a situação cambial, com o público de investidores, com outras situações macro.

Nesse cenário de aquecimento das operações, como o CAF poderia contribuir no aperfeiçoamento do mercado de capitais?

Nosso mercado deveria valorizar mais um âmbito como o Comitê de Aquisições e Fusões. O surgimento do CAF ocorreu no contexto do advento do Novo Mercado, quando tivemos uma importante elevação da régua em relação a uma série de práticas das companhias abertas, como transparência, estrutura de conselho de administração, entre outros pontos. Mas ainda temos deficiências muito grandes no universo de reorganizações societárias. São operações muitas vezes não abrangidas pelo Novo Mercado.

E quais seriam as principais preocupações em relação aos processos de reorganização societária?

Nestas operações é importante contar com mecanismos para garantir tratamento igualitário entre acionistas. As operações devem ser realizadas com uma série de princípios, que não são exigidas na lei, mas que são considerados de boa conduta. O CAF pode ser um âmbito importante para estimular esse tipo de discussão. Cada vez que temos uma grande operação societária, temos uma onda de reclamações de minoritários para CVM, para Justiça, e outros órgãos, que geralmente não dão em nada. O CAF atua para induzir um patamar de governança adequado para que as operações sejam boas para todos. Esse é nosso papel.

O que falta para que o CAF seja mais valorizado e atue de maneira mais consistente?

O caminho para a valorização do CAF passa por delimitar operações a ele submetidas para que se possa criar um track record. Tenho certeza de que assim que tivermos uma ou duas operações submetidas ao CAF, será possível perceber o valor agregado às operações com a redução do risco de reclamação de minoritários, de uma maior composição de interesses dos acionistas, maior integração de stakeholders. Com isso, teremos uma multiplicação de novas operações. Os investidores institucionais têm muita simpatia pelo CAF. A Amec participou da criação do CAF e até hoje se mantém como um interlocutor importante, mas precisamos trazer outros participantes do mercado para esse mundo.

Quais as principais resistências para isso?

De um modo geral, os bancos de investimentos também têm simpatia pelo CAF. Porém, os bancos têm uma preocupação muito grande com prazos de operação e autorizações regulatórias. Se há uma operação grande, terei de submeter a CADE, CVM e outros. o CAF não pode ser visto como aumento do trabalho e dos prazos meramente. Onde há maior resistência é na classe advocatícia. Os advogados especializados em M&A trabalham pressionados por prazos. Muitas vezes têm a desconfiança de um novo órgão. É esse círculo que temos de quebrar.