Entrevista Marcelo Gasparino: Crise e mudanças nas assembleias reforçam stewardship nas companhias

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Marcelo Gasparino. Foto: Divulgação.

A pandemia de COVID-19 e todas as mudanças regulatórias que ampliaram as possibilidades de participação remota nas Assembleias estão abrindo perspectivas positivas para o aumento da representatividade dos acionistas nas companhias. A opinião é de Marcelo Gasparino, membro de Conselhos de Administração da Vale, Cemig e Eternit, e do Conselho Fiscal da Petrobras.

Em entrevista ao Panorama Amec, Gasparino fala sobre os novos formatos de Assembleias, a nova rotina de comunicação com as companhias e os desafios da crise atual. Ele ressalta ainda a importância do Código Stewardship como importante ferramenta para direcionar todas essas mudanças que agora são aceleradas com o cenário de pandemia. Leia a entrevista na íntegra:

Panorama Amec – Como avalia o impacto da chegada da pandemia para as companhias?

Marcelo Gasparino – Tínhamos a expectativa que 2020 seria um ano com bastante participação. Os eventos de Vale (desastres de Mariana e Brumadinho) haviam chamado a atenção para todo o mercado. A Vale se tornou o benchmark do mercado, que passou a ser solicitado para outras empresas. E de repente, mudou o cenário de maneira inimaginável. A pandemia nos trouxe uma nova realidade. E agora o Twitter anuncia que se os colaboradores desejarem, não precisarão retornar as suas estações físicas. Ou seja, poderão continuar trabalhando remotamente. É uma nova realidade para as pequenas empresas e irremediavelmente essas mudanças também chegarão nas grandes.

PA – Como acredita que serão as mudanças para as Assembleias?

MG – As Assembleias também irão se transformar de maneira irreversível. Claramente haverá uma tendência de manter as Assembleias com participação remota. O governo e a CVM já correram para definir novas regras definidas para se conectar na Assembleia. E tudo isso é algo que vai democratizar ainda mais a representatividade dos acionistas das companhias abertas brasileiras. Os quóruns aumentarão e isso é muito positivo pois trará maior representatividade nas deliberações. Isso amplia a relação do acionista com os administradores. Esse contato na Assembleia presencial é menos percebido. Tudo isso traz uma lição.

PA – Esse processo favorece o desenvolvimento do mercado de capitais?

MG – É muito positivo para mercado como um todo, pois favorece a participação dos fundos e gestores de carteiras. É positivo inclusive para as próprias companhias. É preciso avançar no rearranjo do mercado de capitais. A ampliação da representação é importante para o aumento na captação de poupança. As empresas têm um potencial enorme para ampliar a participação e a captação no mercado de capitais. Para isso, é necessário que as companhias se adaptem aos novos formatos de participação e de comunicação.

PA – Como tem mudado a sua rotina na comunicação com as companhias no cenário de pandemia?

MG – Participo atualmente de quatro conselhos. Por exemplo, tenho reuniões constantes com a Petrobras com o aplicativo Teams, que também será utilizado na Vale. Na Cemig utilizamos o Webex. Em outra companhia se utiliza o BlueJeans. Em todas as companhias tenho comunicação constante desde a minha casa, do meu celular. É uma mudança total no mindset. Antes eu pegava avião em Florianópolis e cumpria intensa agenda nas empresas. No Rio depois das reuniões, havia momentos sociais. Isso foi perdido, mas agora tenho uma rotina mais simples e dinâmica. Hoje tive reunião do Conselho Fiscal da Petrobras e amanhã terei Vale e Petrobras de novo.

PA – Como está sendo sua adaptação aos novos sistemas de comunicação?

MG – O pessoal mais sênior está tendo uma adaptação até que rápida na forma de comunicação. Mas é como um automóvel, uma coisa é sair dirigindo. Outra coisa é aproveitar melhor as funcionalidades, as ferramentas. Essas plataformas contam com uma funcionalidade impressionante. Antes achava que a reunião quando não era presencial, perdia qualidade. Agora estou refletindo e revendo minha percepção. Ou seja, estou percebendo que pode existir qualidade em reunião ou Assembleia virtual, desde que o material seja adequadamente produzido e distribuído de forma que os conselheiros possam extrair o máximo. Mas claro que há situações que é melhor fazer a reunião presencial, mais direta, para ter o “olho a olho”, o “face to face”.

PA – Tem algum exemplo de Assembleia que já foi realizada com participação remota?

MG – A Assembleia da Vale que foi realizada em 30 de abril contatou com 118 participantes. Foi realizada em formato híbrido, com cerca de 30 intervenções. Muitas delas sobre matérias de interesse da sociedade, que foi afetada pelos eventos de Brumadinho e Mariana. Os acionistas da companhia se fizeram representar neste ambiente digital. Certamente teremos um novo normal em termos de participação.

PA – Como avalia a legislação definida pelo governo e pela CVM, a MP n. 931/2020 e a ICVM n. 622/2020?

MG – Quando a CVM emitiu a instrução, algumas Assembleias já haviam acontecido, outras estavam marcadas. Dentro do possível, a nova legislação abrangeu os pontos necessários. Posteriormente poderão ocorrer aperfeiçoamentos com a realização de consultas públicas. Mas agora já tem o necessário para começar a funcionar as Assembleias com participação remota. Claro que a responsabilidade pela segurança do ambiente fica por conta da companhia. Mas em geral estamos bem atendidos.

PA – O que poderia ser aperfeiçoado?

MG – Tem uma Assembleia que está pedindo a apresentação de extratos de posição dos acionistas 8 dias antes para permitir a participação na Assembleia. Isso não existia na participação presencial, que poderia apresentar a posição até na hora. Tem alguns detalhes que pode haver aprimoramento. Pelo lado da companhia é importante ter um double check. para evitar a entrada de participantes que não forem acionistas. Em todo caso, não acredito que os debates das Assembleias coloquem em risco a imagem das companhias.

PA – Como a participação remota irá transformar a relação dos boards com os administradores?

MG – Antigamente havia um distanciamento dos boards da gestão das companhias. Isso foi mudando a partir de um trabalho da própria Amec, com seus associados e conselheiros profissionais. A implantação do Código Stewardship pela Amec foi fundamental para começar a mudar essa situação. Com o código, passamos a buscar o padrão internacional, em linha com as práticas adotadas em outros países. Outro marco é o Código Brasileiro de Governança Corporativa, é uma cartilha para os conselheiros profissionais e as companhias. Faz com que as companhias enxerguem a necessidade de se aproximar dos acionistas, não os tratando apenas como financiadores das companhias. Ou seja, já temos um código e uma cartilha de implementação para atingir uma maior aproximação dos boards com as companhias.

PA – Como as companhias em que você representa estão enfrentando a crise?

MG – As companhias em geral possuem boa situação de liquidez. Há empresas grandes que influenciam a sociedade de maneira ampla. Temos de tratar dos problemas com bastante seriedade. O maior exemplo é o da Petrobras, afeta a atividade de todos, como produtora de petróleo e todos os todos os derivados. Outro exemplo é da Cemig, que é uma empresa integrada de energia elétrica. Essa empresa como concessionária de serviço público está sofrendo de maneira muito impactante, pelo surgimento de novas regras, com a postergação do consumo. Há novas legislações estaduais por causa da pandemia da saúde. Estamos em um período de crise humanitária, que está afetando a economia de maneira irremediável. As novas legislações terão efeito cascata na cadeia muito relevante.

PA – Como está ocorrendo esse efeito cascata?

MG – O consumidor de baixa renda ou a empresa não conseguem pagar a conta, ou conseguem a suspensão na Justiça. Toda a cadeia é afetada. Estamos falando de um nível de inadimplência de mais de 20%. É muita coisa para uma empresa regulada. Ocorre um desencaixe financeiro praticamente incontrolável. É preciso recorrer às linhas de crédito.

PA – Como foi o movimento de acesso ao crédito na pandemia?

MG – As companhias de grande porte já vinham com linhas pré-contratadas e puderam abrir portas em várias instituições financeiras. Elas tomaram o crédito que podiam enquanto era possível. Agora estão mais restritas as linhas. As companhias aumentaram a alavancagem para formar um colchão de liquidez para passar a crise. O maior problema incide sobre as empresas de médio porte, que não têm mais abertura com instituições financeiras. Elas estão no limbo com uma realidade muito mais dura. E aí que se concentra o risco para as grandes empresas perderem fornecedores. Muitas companhias de médio porte podem não resistir à crise.

PA – Tudo isso depende do prolongamento da pandemia e da crise, não é mesmo?

MG – Talvez sejamos mais otimistas nas questões econômicas. Mas no aspecto de saúde é mais difícil. Se até janeiro de 2020, víamos notícias em relação ao serviço público de saúde que já estava saturado. Agora como terá condições para atender toda a demanda da COVID-19? Temos de ver as medidas sociais para combater a pandemia no Brasil. O isolamento deu certo em alguns países, mas em outros, não. Taiwan não impôs isolamento, mas exigiu medidas restritivas de distanciamento. O comércio não foi fechado e mesmo assim registrou baixo índice de contaminação. As pessoas continuaram circulando, com medidas de higiene, e a economia não parou. Mas claro que foi preciso avançar com a conscientização da população.

PA – Os princípios ESG ganham maior relevância no cenário de pandemia?

MG – O ESG se tornou a principal agenda, ganhou maior relevância para mim desde o ano passado, após o evento de Brumadinho. Todos viraram os holofotes para os princípios sócio-ambientais. E após carta do presidente da BlackRock, isso ficou ainda mais evidente para todos. Acredito que todas as empresas estão se mobilizando para enfrentar a pandemia. Está ocorrendo uma melhoria geral na questão ambiental, com menos emissão de carbono, menos deslocamentos desnecessários. Tudo isso tem efeitos no meio ambiente com o novo cenário. As empresas devem avançar muito mais que a simples imagem de alguém abraçando árvore.

PA – Além da questão ambiental, como ficam os aspectos sociais e de governança?

MG – A agenda ESG é inevitável por causa da crise humanitária e já gerou uma grave crise econômica sentida nas empresas. As questões de compliance e ética também ganham importância nas organizações. Não existe ESG verdadeiro se não existirem empresas verdadeiramente éticas. Essa ética será colocada a prova. As empresas estão experimentando dificuldades com colaboradores, fornecedores, clientes e com o estado.