Entrevista Geraldo Affonso Ferreira: Não há possibilidade de se criar valor social e ambiental se não houver o ‘G’ de governança

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Com uma visão crítica da falta de evolução da governança das empresas e do enforcement no mercado de capitais brasileiro, o Conselheiro Independente Geraldo Affonso Ferreira não acredita que 2020 irá deixar saudades. Com experiência na área de companhias de base florestal (papel e celulose), o especialista acredita que é um erro as empresas colocarem o “E” do ambiental e o “S” do social na frente do “G” de governança. Ele defende que só com uma governança adequada é que as empresas poderão avançar na criação de valor socioambiental.

O problema é que os avanços da governança ainda são lentos no Brasil, conforme aponta levantamento recente do IBGC sobre as recomendações do “Pratique ou Explique”. Apenas 16,1% das empresas listadas seguem a recomendação de incluir no estatuto social a indicação de metade dos conselheiros externos e o mínimo de um terço de membros independentes nos conselhos, alerta Geraldo Affonso. Sobre a atuação do regulador no ano, ele faz críticas à luz de casos como a Linx-Stone, Petrobras e Qualicorp. Confira a seguir e entrevista exclusiva concedida ao Panorama Amec:

Poderia avaliar os avanços na gestão das empresas nas práticas ESG?

Geraldo Affonso Ferreira. Foto: Divulgação.

O que eu alerto em artigos que escrevo é que existem muitas empresas que estão colocando o carro na frente dos bois. Neste caso, são empresas que querem colocar o “E” e o “S” na frente da governança. Desde meu ponto de vista, isso é um erro pois não há qualquer possibilidade de desenvolver e criar valor social e ambiental se não tiver o “G” de governança, que te dará uma forma mais efetiva de análise e controle de riscos. Se não tiver uma boa governança, não há como implantar uma agenda positiva no social e no ambiental. Então, o “G” é a base, é o alicerce disso tudo.

Poderia comentar a evolução da governança das empresas no Brasil durante a pandemia?

Se tomarmos em consideração o recente levantamento do IBGC [Instituto Brasileiro de Governança Corporativa] sobre a aplicação das recomendações do “Pratique ou Explique” [Instrução CVM n. 586/2017] subiu apenas 3 pontos percentuais de um ano para outro. Entre as empresas listadas no Brasil, o índice de aplicação das recomendações de governança subiu de 51% em 2019 para 54% para 2020. É muito pouco. 

Quais outros indicadores apontam para essa deficiência da governança das empresas listadas?

Outro ponto que chama a atenção, com pequeno desenvolvimento, é a política de partes relacionadas, que também é grave. Poucas empresas aderiram às políticas sugeridas pelo “Pratique ou Explique”. Mais o ponto que chama a atenção negativamente é a política de indicação de conselheiros. Uma das recomendações de menor aderência é a inclusão no estatuto social da prática de indicação de pelo menos metade dos conselheiros externos e um mínimo de um terço de membros independentes. Apenas 16.1% aderem a esta prática, que inclui ainda a divulgação anual de quem são os conselheiros independentes e as circunstâncias que possam comprometer sua independência.

E quais seriam os problemas de maior ocorrência na formação e forma de indicação dos Conselhos?

Um dos problemas mais graves é que a indicação do conselheiro independente é feita invariavelmente pelo controlador. Não é que todos indiquem conselheiros com pouca independência, isso não acontece sempre, mas já cria uma dúvida. E a checagem é simplesmente formal. Ele tem relação com o controlador? Não tem, então está aprovado. Não existe uma análise mais profunda. Deveria haver um processo mais rigoroso. Então, eu questiono a real independência de vários conselheiros independentes.

Por que acontece esse tipo de situação?

Ainda falta maior engajamento dos investidores institucionais e pessoas físicas. O Brasil ainda não tem essa cultura de engajamento, de atuar no mercado de capitais. Ainda não há uma educação financeira para promover maior participação. Se não houver engajamento, é difícil influenciar a nomeação de conselheiros. Essa é a base da atuação a favor da boa governança na empresa investida. É necessária uma mobilização mais coordenada das assets junto aos grandes fundos de pensão de estatais, como a Previ e a Petros. O primeiro passo deve partir dos institucionais, que devem fortalecer o stewardship. Tenho esperança de que isso vá se fortalecer a partir de 2021, por tudo que estamos vivendo, por causa da pandemia.

Mas existe uma atuação exemplar de alguns fundos de pensão e outros grandes investidores institucionais nos últimos anos, não acha?

Sim, existe uma movimentação de dois institucionais de nosso mercado, que são exemplos de engajamento pró-governança, que são a Previ e o BNDES. O problema é que o BNDES está saindo de muitas empresas. Vendeu Suzano, está vendendo Klabin, vendeu Vale, o que não fazia mesmo muito sentido participar na condição de banco de fomento. Mas o BNDES vinha realizando um importante trabalho a favor da governança de qualquer empresa, sem nenhuma restrição. A Previ também, com um grau um pouco menor, mas vinha muito ativa. É uma pena que o BNDES está saindo das empresas e a Previ também segue uma tendência de saída de empresas, com maior alocação de investimentos no exterior. Mesmo assim, estou otimista com as AGOs do primeiro trimestre do ano que vem, espero que aumente o engajamento dos minoritários.

Poderia analisar a evolução do enforcement no Brasil e a atuação da CVM na prevenção e resolução de conflitos de governança nas empresas?

Já vínhamos com uma percepção que o law enforcement nunca foi muito efetivo no Brasil. É claro que os órgãos de regulação supervisão estão despreparados, com orçamento pequeno e faltam braços. Apesar disso, temos sempre a expectativa que irá ocorrer uma melhora contínua, porém, este ano tivemos uma total involução. Basta ver os casos de Petrobras, Linx, Qualicorp, entre outros problemas. Uma das questões é a falta de diversidade no colegiado da CVM. Só tem advogados, que votam muito mais com base em formalidades do que em essência.

Do seu ponto de vista, como deveria ser a composição do colegiado da CVM?

Não dá para ser formado só por advogados. Não estou sugerindo que seja como nos Estados Unidos, que tem o modelo da SEC “revolving door”, com a entrada frequente de executivos de Wall Street. Não estou dizendo que a CVM deve ter só gestores da Bolsa ou da Faria Lima, mas deve haver maior diversidade de conhecimentos e experiências para não ficar só na mão de advogados, presos apenas às formas. O que ocorreu em 2020 desincentiva a se fazer investimentos na Bolsa na condição de minoritários e estrangeiros. Cai em descrédito. Vinha melhorando lentamente nos últimos anos, mas em 2020 parece que voltou décadas para trás.

Tem algum caso mais emblemático que poderia comentar?

O mais emblemático foi o caso da Linx. O corpo técnico recomendou que os acionistas fundadores não votassem na Assembleia. Mas o colegiado, com a maioria dos diretores, resolve não acatar a indicação do corpo técnico e do mercado. Foi o caso mais chocante. Eu não sei exatamente os motivos dessa reviravolta. Mas é novamente, a forma sobre a essência. E a lógica para nós que não somos advogados, é outra. É muito simples, os três sócios relevantes tinham interesse no processo de venda da companhia.

Poderia comentar a qualidade da governança das empresas que estão entrando na Bolsa na recente onda de IPOs?

Eu me preocupo com esse movimento. Vejo que não há um preparo adequado, salvo algumas exceções, em termo de governança. Quando se percebe a oportunidade ou necessidade de capital, se diz: vamos criar uma estrutura de governança. Mas isso, não é algo que ocorre da noite para o dia. A espinha dorsal de uma boa prática de governança é reflexo de uma cultura implementada na empresa. Então, precisa começar mais atrás, pensando na estrutura que se necessita montar para abrir o capital. É uma jornada que deve ser percorrida. Existem escritórios de advocacia que chegam com pacotes prontos com todas as formalidades legais que são jogados no colo das empresas, sem um preparo prévio.

O que acredita que deveria ser feito para fortalecer e integrar o ambiental e o social com a governança?

É o que falei que tem muita empresa colocando o “E” e o “S” para camuflar a falta de governança. Não adianta fazer um lindo relatório de sustentabilidade sem utilizar os frameworks reconhecidos internacionalmente. Tem de utilizar o GRI, ou o SASB, ou o IFRS, não tem como mensurar e comparar os padrões. No relatório de sustentabilidade, as empresas colocam o que é bom para elas. Não colocam os pontos deficientes, de falta de diversidade, por exemplo. Os acionistas olham o relatório, apertam, e não sai nada. Não tem como comparar a evolução.

Vislumbra alguma iniciativa para padronizar os modelos de relatórios ESG? 

Há uma iniciativa importante do IFRS de padronizar os modelos para incluir na própria demonstração financeira das empresas as ações sociais, ambientais e de governança. Na minha experiência de atuação em empresas de celulose e papel, é uma iniciativa importante que pode representar um importante avanço. Isso vai facilitar muito para os acionistas. Vai permitir uma avaliação mais numérica, mais quantitativa das práticas ESG.