Entrevista Flavia Mouta: Retomada de ofertas e atratividade da bolsa brasileira – iniciativas da B3 para navegar o momento do mercado brasileiro

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A abertura de capital pelas empresas brasileiras no exterior é um assunto que está no radar da B3 e dos órgãos reguladores do mercado doméstico. Um exemplo emblemático que acendeu o sinal de alerta para a Bolsa brasileira foi o IPO da XP no final do ano passado. Em entrevista exclusiva ao Panorama Amec, a Diretora de Emissores da B3, Flavia Mouta, fala sobre as iniciativas para enfrentar a questão, e sobre o reaquecimento das ofertas no país.

Responsável pela área de aperfeiçoamento dos regulamentos da B3 e da sua aplicação aos participantes do mercado, Flavia mostra exemplos de ações e de como a bolsa brasileira está se preparando para a fase de maior procura por operações de captação. “A curto prazo, estamos trabalhando para criar condições cada vez mais competitivas e atrativas para os nossos clientes interessados ​​em fazer ofertas públicas. Estamos ampliando as iniciativas de relacionamento com empresas brasileiras de todos os portes e segmentos”, diz em trecho da entrevista.

Com ampla experiência em regulação, após ter atuado durante 14 anos na Comissão de Valores Mobiliários, a Diretora da B3 vê com bons olhos o aperfeiçoamento das regras de BDRs com a publicação da Resolução n. 03/2020 da Autarquia. Confira a seguir a entrevista na íntegra: 

Quais as principais causas para o fenômeno da abertura de capital de empresas brasileiras nas Bolsas no exterior?

Flavia Mouta, da B3. Foto: Divulgação.

Não diria que se trata de um “fenômeno”, considerando que, nos últimos anos, mais de 95% dos processos de abertura de capital de companhias brasileiras ocorreu na B3. Esses casos específicos de algumas companhias que optaram pelo IPO fora do Brasil fazem parte do cenário de competição global no qual estamos inseridos. Em alguns casos, a precificação da oferta em determinados segmentos e algumas questões regulatórias são os fatores cruciais para a tomada de decisão da companhia.

Poderia dar algum exemplo de empresas ou algum segmento específico?

O preço da oferta (valuation), especificamente, é um fator determinante para a tomada de decisão da empresa ao abrir o capital. Como no caso de empresas de tecnologia, companhias de determinados segmentos se sentem mais confortáveis com o processo de avaliação nos EUA, uma vez que existe uma base maior de investidores dedicados a este segmento. Vemos que o crescimento da base de investidores e o processo de amadurecimento do mercado brasileiro tende a abordar essa questão no médio ou longo prazo, visto que o investidor se sofisticou e deve aumentar sua exposição a esse tipo de ativo.

Poderia comentar as discussões em relação ao voto plural nos mercados externos e a ausência do mecanismo no Brasil?

A discussão sobre a adoção das estruturas com mais de uma classe de ações ordinárias com voto diferenciados, ou voto plural, passa pela percepção de que existe, por parte de empresas brasileiras, uma demanda por esse tipo de estrutura, o que estaria motivando a busca pela listagem em mercados cuja legislação e regulação a permitissem, como é o caso dos Estados Unidos. Vale acrescentar a importância da figura do empreendedor no comando do plano de negócios da companhia, em que se permite a sua diluição econômica, mas se resguardando o poder de controle da empresa por meio do instituto do voto plural.

A ausência do voto plural pode ser determinante para a empresa abrir o capital lá fora? Como a B3 está tratando esse assunto?

Em uma pesquisa recente, conduzida em 2019 com companhias que optaram pela abertura de capital no exterior, todos os entrevistados apontaram que a estrutura societária foi uma vantagem adicional, mas não foi determinante. O fator citado como determinante foi a precificação da empresa no IPO, considerada superior nos Estados Unidos. Não obstante, o voto plural, apesar de não ser protagonista nessa tomada de decisão, foi a estrutura utilizada por todas as companhias brasileiras que abriram capital no exterior recentemente. O objetivo da B3 é levar essa discussão ao mercado para, a partir daí, promover ajustes ou modificações na lei atual, preservando os princípios de governança corporativa conquistados no nosso mercado.

E como a B3 tem se posicionado no sentido de evitar ou amenizar a “exportação de IPOs”?

A curto prazo, estamos trabalhando para criar condições cada vez mais competitivas e atrativas para os nossos clientes interessados ​​em fazer ofertas públicas. Estamos ampliando as iniciativas de relacionamento com empresas brasileiras de todos os portes e segmentos. Nosso objetivo é orientar as empresas em todas as etapas antes de abrir o capital. Em relação a inovações nos processos de ofertas, trabalhamos ativamente com os reguladores no atendimento de questões chave para o mercado de capitais.

Poderia dar algum exemplo dessas propostas de inovações?

O fim do Black Out Period e o processo de Confidencialidade de Oferta Pública são exemplos desse esforço. E mais recentemente, a alteração da regra anunciada pela CVM que permite o acesso de todas as classes de investidores aos BDRs é uma iniciativa que, na nossa visão, abre caminho para o processo de dupla listagem e emissão de BDRs de companhias com atividades predominantemente no Brasil que optaram por abrir capital no exterior.

Poderia explicar um pouco mais como a nova resolução dos BDRs afeta a decisão sobre a jurisdição escolhida para a listagem?

Há uma série de fatores que leva os emissores locais a optarem por listagem fora do mercado brasileiro. Com o advento da Resolução CVM nº 3, é viabilizado o caminho de volta ao mercado brasileiro, possibilitando que investidores locais, por meio dos BDRs, possam também investir nos ativos dessas empresas, de forma mais simplificada diretamente no Brasil. O mecanismo de dupla listagem é amplamente adotado em várias jurisdições, podendo citar o mercado asiático e israelense, por exemplo.

Poderia comentar o acesso dos investidores não-qualificados aos BDRs?

A B3 acredita que a liberação de BDRs não patrocinados, tornando-os acessíveis para todas as classes de investidores, é um importante avanço na regulação do mercado. Na nossa visão, é importante esse avanço que amplia tanto a capacidade do nosso investidor em diversificar sua carteira quanto dá cada vez mais profundidade ao nosso mercado. Os investidores buscarão sempre bons ativos para compor suas carteiras, seja no Brasil ou em outros mercados e já fazem isso de forma regular. O BDR é uma forma muito mais simples de o investidor brasileiro buscar diversificação de riscos, de ativos e até geográfica.

Nesse contexto, qual seria o papel da B3 na regulamentação das novas regras para os BDRs?

O início da negociação dos BDRs ainda passará por alguns passos antes de ser disponibilizado para a pessoa física. Já fizemos adaptações, reduzindo o lote padrão de 100 para 10 BDRs, além de listar mais de 500 programas, pensando, justamente, no mercado de varejo que demonstra grande interesse no produto. Com a divulgação da nova regulação da CVM, a B3 está trabalhando para operacionalizar a oferta desses produtos pelas corretoras aos investidores finais. Será necessária uma adaptação nos regulamentos da B3 para caracterizar o que a CVM considerou um mercado reconhecido, que é basicamente um conceito que garante que os BDRs emitidos aqui no Brasil estão lastreados em bolsas com regras adequadas de transparência, divulgação de informação e proteção ao investidor. A partir disso, as corretoras e o mercado em geral, poderão oferecer os BDRS aos seus clientes.

Com a chegada da pandemia, os processos de IPOs e Follow-ons foram suspensos, mas voltaram com toda força no segundo semestre. Como você avalia essa recuperação?

Especialmente a partir de junho, vimos uma recuperação significativa dos preços dos ativos em bolsa que, combinada com o processo de migração do investimento para o mercado de capitais, impulsionado pela taxa de juros em mínimas históricas, traz boas perspectivas para o fluxo de ofertas públicas no curto prazo. Já vemos um fluxo intenso de ofertas de ações, tanto em aberturas de capital (IPOs) como em ofertas subsequentes (Follow Ons). Até o momento, 23 companhias captaram recursos em 2020 via oferta de ações, representando um volume de cerca de R$ 55 Bilhões. Das 23 ofertas, 10 foram aberturas de capital (IPOs) e 13 ofertas subsequentes. Comparativamente, em 2019 tivemos um volume de cerca de R$ 90 bilhões através de 5 IPOs e 37 ofertas subsequentes. Além das ofertas realizadas até o momento, temos formalmente protocoladas na CVM e B3, mais de 30 ofertas iniciais de ações.

O reaquecimento é percebido também no mercado de emissão de dívida?

Sim, a emissão de dívida no mercado de capitais volta a ganhar tração e oferecer prazos e custos mais favoráveis para as empresas. A expectativa é que mais companhias acessem o mercado de capitais para financiar sua operação ou mesmo captar recursos para aquisições de outras empresas ou ativos específicos.

Quais as perspectivas para os próximos meses? 

Com as perspectivas de manutenção de juros baixos e o processo de migração de investimentos para o mercado de capitais e para a bolsa, cria-se um ecossistema favorável para novas ofertas, tanto de ações quanto de dívida. Em se mantendo esse cenário, a expectativa é que veremos cada vez mais companhias abrindo capital na bolsa e utilizando instrumentos de dívida disponíveis no mercado de capitais.

Poderia comentar ações e projetos da B3 que têm a ver com o propósito de incentivar maior engajamento dos investidores nas companhias? 

Historicamente a B3 busca auxiliar no equilíbrio das discussões, ouvindo tanto os temas e iniciativas dos emissores quanto dos investidores. Por exemplo, no último processo de evolução do Novo Mercado entre 2016 e 2018, antes da fase regulamentar de audiência restrita só com as companhias votantes, a B3 providenciou ampla consulta pública para dar voz aos investidores nos temas que deveriam demandar nossa atenção na respectiva revisão. Além disso, tendo como um dos nossos valores proximidade e satisfação do cliente, contamos com um time de relacionamento bastante especializado, que abrange todos os grupos de clientes, como companhias, bancos, buy side e sell side e investidores locais e internacionais, incluindo investidores pessoas físicas.