Entrevista Fábio Giambiagi: É necessário reassumir as rédeas da política fiscal

Print Friendly, PDF & Email

O aumento elevado dos gastos públicos em 2020 eleva a preocupação com os riscos de descontrole fiscal e colapso nas contas públicas, ainda mais com as recentes discussões sobre a flexibilização do teto de gastos. Mesmo com resposta fiscal contundente do governo brasileiro para enfrentar a crise decorrente da pandemia de Covid-19, os efeitos não foram os mais eficazes se comparados com outros países.

Em entrevista exclusiva ao Panorama Amec, o especialista em contas públicas, Fábio Giambiagi, defende a necessidade de retomada da trajetória de equilíbrio fiscal em 2021 e 2022. “Será importante sermos capazes de mostrar que depois do boom inédito do gasto em 2020, em 2021 o Governo voltará a reassumir as rédeas da política fiscal. Se assim for, será possível termos no ano que vem um déficit em 7% do PIB parecido com o de 2018 e a partir daí retomar o processo de declínio gradual do déficit que o país parecia trilhar em 2019”, diz.

Giambiagi considera que haverá necessidade de repactuação da regra do teto de gastos devido à pressão sobre os gastos discricionários, que levará a uma situação insustentável. Porém, o momento adequado para essa discussão ocorrerá em 2023 com o início do mandato do próximo governo. Leia a entrevista a seguir na íntegra:

Panorama Amec – Como você avalia a evolução dos gastos públicos em 2020 no enfrentamento da pandemia?

Fábio Giambiagi. Foto: Ricardo Borges/Folhapress.

Fábio GiambiagiO Brasil deu uma resposta fiscal extremamente contundente diante da crise do Coronavírus. Receio, porém, que o conjunto da reação das políticas públicas não tenha sido o mais adequado. Ao contrário da maioria dos países da Europa, que souberam fechar as atividades na hora precisa e saíram da crise com as empresas relativamente bem, face à intensidade da crise, graças a políticas creditícias adequadas, aqui a política sanitária diante da questão foi nula e talvez não tenhamos evitado uma grande mortandade de empresas, ao mesmo tempo que tivemos um ônus fiscal descomunal. Entre 2019 e 2020 deveremos saltar de uma despesa líquida de transferências a Governos subnacionais de 19% para 28% do PIB e de um déficit público de 6% para outro de 15% do PIB. Lido com as nossas finanças públicas desde 1987 e nunca vi algo assim.

Considerando a evolução da dívida pública na relação com o PIB, há risco de colapso no equilíbrio fiscal?

Este ano a dívida bruta deverá dar um salto da ordem de 20 pontos do PIB. Isso só não gerou pânico até agora porque existe a consciência de que no mundo inteiro os Governos estão gastando fortemente para atacar o problema. Porém, também é verdade que o mundo aos poucos está se preparando para voltar a certa normalidade. Por isso, no Brasil será importante sermos capazes de mostrar que depois do boom inédito do gasto em 2020, em 2021 o Governo voltará a reassumir as rédeas da política fiscal. Se assim for, será possível termos no ano que vem um déficit em 7% do PIB parecido com o de 2018 e a partir daí retomar o processo de declínio gradual do déficit que o país parecia trilhar em 2019.

E como avalia as discussões em torno da flexibilização do teto dos gastos que ganhou força nas últimas semanas?

Os argumentos em favor do relaxamento do teto de gastos em 2021 se baseiam em duas premissas que considero equivocadas. A primeira, de que o país precisa de um salto do investimento para sair da crise, o que é simplesmente impossível de acontecer devido a todo o processo moroso que delimita o raio de ação das autoridades quando se trata de investir. E a segunda, de que a situação de emergência de 2020 irá se manter em 2021, o que não combina com os dados que mostram uma recuperação de certa importância da produção a partir de maio.

E qual seria o caminho mais adequado para a retomada da atividade econômica?

O país terá sim uma grande necessidade de gerar empregos, mas isso se consegue com boas políticas, previsibilidade, equilíbrio macroeconômico e um ambiente de confiança. Se o campo político não é capaz de gerar essas condições, não será a quebra da regra do teto que irá propiciá-las. Isso não quer dizer que o teto não tenha que mudar, mas por outra razão: é que ele implica uma compressão das despesas discricionárias que em algum momento se tornará inviável. Porém, sair da regra atual exigirá um acordo político que hoje eu não vejo como alcançar, daí por que tenho dito que o ano dessa repactuação deverá ser 2023, após as eleições presidenciais e em outro contexto.

E por que é importante manutenção do teto de gastos?

Não é difícil de explicar. O gasto primário federal incluindo transferências a Estados e Municípios era de 14% do PIB em 1991 e foi de 24% do PIB quando o teto foi adotado em 2016, tentando colocar um freio a esse processo. O problema é que em 2021, mesmo passada a crise de 2020, ele será dos mesmos 24% do PIB. Ou seja, o desafio fiscal continua pendente de ser enfrentado, o que passará, na minha opinião, por uma combinação de manutenção do teto em 2021 e 2022, mudança suave com adoção de novas medidas de contenção em 2023 e, inevitavelmente, um encontro marcado com um aumento da carga tributária no próximo Governo.

Colocando em perspectiva, como avaliar a dinâmica recente da evolução dos gastos obrigatórios?

A preços de 2019, entre 2016 e 2019 a despesa com pessoal passou de R$ 288 bilhões para R$ 313 bilhões e a despesa do INSS de R$ 566 bilhões para R$ 626 bilhões. Somadas, compõem um plus, um adicional de mais 85 bilhões em relação a quando o teto foi adotado. Só essa diferença é mais do que todo o investimento federal. Creio que são números eloquentes. Há outras despesas obrigatórias que, em menor medida, exibiram tendência similar, ainda que em montantes menores.

E qual a importância da Reforma Administrativa e da retomada da agenda de reformas?

Como eu disse, temos que manter o teto a curto prazo porque é essencial para a recuperação da economia e a retomada do rigor fiscal que os juros permaneçam baixos e será muito difícil conseguir isso se o teto cair. É ilusório, porém, o mercado imaginar que a despesa discricionária poderá cair indefinidamente porque o processo político imporá limites a isso. Por isso, há que ter uma estratégia que contemple diversas ações, para diminuir despesas que, ainda que meritórias, são menos que outras. A reforma administrativa, visando reduzir a taxa de crescimento automático da folha de salários, é uma dessas medidas. A mudança do abono salarial deveria ser outra. E há outras medidas que poderiam ser contempladas.

Quais seriam as principais dificuldades de implementar essas medidas?

O problema é que nenhuma dessas medidas é popular, o que requer uma liderança política na vanguarda do processo, para convencer o Congresso e a sociedade acerca da importância dessa agenda. E, inquestionavelmente, temos tido no país um grande déficit de liderança, cujo reflexo é a hibernação da agenda de reformas depois da aprovação da reforma previdenciária.

Falando de reformas, a da Previdência foi muito comemorada entre os economistas. Qual será seu efeito sobre os gastos públicos ao longo dos próximos anos?

A reforma foi muito importante para evitar que o INSS mantivesse a sua tendência de crescimento na velocidade que se verificaria, por razões demográficas, se a reforma não fosse aprovada. Porém, é importante lembrar que a reforma, por mais importante que tenha sido, foi parcial, que muitas regras importantes não mudaram e que mesmo com a sua aprovação, a despesa do INSS deverá continuar a aumentar em torno de 2% ao ano em termos reais. Sou da opinião de que, pelo fato da reforma ter sido parcial, teremos que ter uma nova reforma, mas não há o menor espaço para que ela seja aprovada em 2023, portanto nosso reencontro com o tema se dará em 2027.