Entrevista Eliane Lustosa: Pandemia ressaltou o “S” de Social para as empresas

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A pandemia de COVID-19 trouxe inúmeros desafios para as companhias e para os mercados em geral. A tendência de melhorar a relação com toda a comunidade de stakeholders, que já existia anteriormente, agora ganha relevância muito maior, segundo mostra a conselheira independente de empresas e ex-Diretora da BNDES, Eliane Lustosa. Em entrevista exclusiva ao Panorama Amec, a executiva mostra que, muito além de cuidar da saúde dos colaboradores, é preciso avançar ainda mais para ações que possam proteger os familiares, fornecedores e consumidores em geral.

Eliane Lustosa. Foto: Divulgação.

“Diria que a questão não é nova, mas a preocupação com a forte desigualdade social, chama muito mais a atenção. E as empresas devem ter também essa preocupação de olhar para a sociedade e cuidar de sua comunidade, porque são seus colaboradores, são seus consumidores e prestadores de serviços”, comenta Eliane. Ela explica que tudo isso tem relação com a dimensão do “S” de social, que já tinha trabalhado em várias frentes quando foi Diretora do BNDES.

Entusiasta das práticas de Stewardship, a conselheira enfatiza também da importância do maior engajamento dos investidores institucionais nas empresas, aliado à defesa das práticas de ESG (Ambientais, Sociais e de Governança, em inglês). Ela reforça que no momento atual todas essas práticas ganham mais relevância e lembra das ações desenvolvidas quando era Diretora do BNDES, inclusive de quanto o BNDESPar aderiu ao Código de Stewardship da Amec. Leia a entrevista na íntegra:

Panorama Amec – Como você avalia a importância das práticas ESG com o novo cenário de pandemia? 

Eliane Lustosa – Vejo que no contexto de pandemia a primeira preocupação deve ser com as pessoas. Cuidar de seus colaboradores e da comunidade. O aspecto de cuidar das pessoas passou a ser muito mais relevante, pois se seus colaboradores estiverem doentes, você pode ter um problema sério em seu negócio. Isso pode se espalhar rapidamente e gerar perdas expressivas. Mas um outro aspecto da cadeia que nasceu mais forte disso, é que o isolamento gerou uma reflexão em todos nós, e ampliou a preocupação com o aspecto social.

Isso é uma novidade, é uma nova tendência?

Diria que a questão não é nova, mas a preocupação com a forte desigualdade social, chama muito mais a atenção. E as empresas devem ter também essa preocupação de olhar para a sociedade e cuidar de sua comunidade, porque são seus colaboradores, são seus consumidores e prestadores de serviços. Essa preocupação é necessária para toda a cadeia da empresa e ajuda justamente a preservar o negócio. Vemos muitos movimentos de ações voltadas para a comunidade. Se a empresa tem uma atuação correta, de preservação de empregos e dos colaboradores, ela é considerada no campo de negócios do bem.

Que tipo de ações novas as companhias estão realizando? Pode dar exemplos?

Eu estou hoje no conselho de três empresas. O primeiro passo foi proteger as pessoas, o home office, que veio acelerar esse processo. Algumas empresas já estavam mais preparadas, outras tiveram que fazer um esforço maior. Do ponto de vista da preocupação social com a comunidade, posso citar no caso da CCR, que realizou uma campanha de telemedicina com os caminhoneiros. No caso da Solví, que é uma empresa que trabalha com tratamento de resíduos sólidos, que lida com uma comunidade de garis e pessoal que trabalha com varrição. A empresa realizou doações e distribuição de kits de proteção para os colaboradores e seus familiares. O BMG fez doações em algumas regiões em Minas Gerais de cestas básicas e kits de proteção, entre muitas outras ações.

Tem algum exemplo de ação de fundos de pensão que tenha sido implementada no campo do ESG? 

Posso citar um exemplo internacional. Tivemos o caso do fundo de pensão da Noruega que decidiu que iria desinvestir em Petrobras e Eletrobras. Vejo vários investidores acompanhando, também de fora do Brasil, alguns indicadores que mostram a real preocupação com métricas de acompanhamento de aspectos sociais e ambientais. Na governança evoluímos muito, fomos levantando a barra, com várias reformas, com o Novo Mercado. Começamos com níveis mais baixos, itens mais óbvios e fomos ampliando as exigências. E hoje é muito mais claro quais são as boas práticas de governança.

Quais são os desafios para avançar nas outras práticas?

No ambiental e no social, não estão claros os tangíveis. Existe um grande esforço para tornar os relatórios mais comparáveis entre as empresas. Para que os investidores possam tomar decisões com base nestes indicadores. Vejo que os investidores institucionais estão realmente mais preocupados porque recebem dos donos dos recursos, recebem esse dever fiduciário, e começam a realizar perguntas, podendo tomar a decisão de não investir naquelas empresas.

Os relatórios das empresas não ajudam muito no acesso das informações pelos investidores, não é mesmo?

Não adianta ter pilhas e pilhas de informação. Ter muita informação, não significa informação relevante, que é o mais importante. O essencial é contar com informação comparável para que os investidores possam ver objetivamente o que as empresas estão fazendo. E aí volta ao trabalho realizado no BNDES de definir métricas de monitoramento e acompanhamento bastante objetivas para evitar o que se chama de green washing, quando a empresa diz que faz, mas na verdade não faz.

Como você avalia a importância do Stewardship para os investidores e para o mercado?

Faz todo sentido que os investidores institucionais cuidem de seus investimentos, que o próprio termo já indica, que é o “tomar conta”, ter a responsabilidade dos próprios investimentos. A Amec trouxe luz para essa discussão, que o stewardship é dever dos investidores institucionais, na condição de gestores de recursos de terceiros. No fundo de pensão, você tem os participantes, e nas gestoras, têm os recursos de outros investidores. Esses investidores institucionais não só têm a capacidade de melhorar e impactar a governança das empresas, mas também eles têm a responsabilidade, para cumprir sua responsabilidade fiduciária. Acredito que o trabalho da Amec com o Código Stewardship é fundamental, sou incentivadora desse esforço. 

Quais as ações de stewardship foram realizadas quanto esteve à frente de uma diretoria do BNDES?

Quando eu estava no banco, cuidando da carteira da BNDESPar, nós aderimos ao Código Stewardship na condição de um grande investidor. Mesmo com o processo em curso de desinvestimento da carteira de renda variável líquida, é natural que o banco tenha um papel relevante no país, incentivando as boas práticas de governança dentro das empresas investidas, seja como equities ou dívida. Isso está no DNA de um banco de desenvolvimento.

Como eram tratadas as informações sobre governança nas investidas? 

No BNDES fizemos o primeiro relatório de stewardship. Partimos da ideia de que, enquanto a BNDESPar estivesse com aqueles papéis na carteira, pudesse prestar contas para a sociedade de como estava atuando, por exemplo, indicando conselheiros independentes, qualificados, acompanhar processos de sucessão, abertura de capital, entre outros procedimentos de transparência e governança corporativa. Isso fazia parte das metas da equipe do banco, ou seja, de buscar conselheiros qualificados e pactuar metas para discutir no âmbito do conselho das empresas.

Finalmente, você ainda participou das discussões da proposta das debêntures incentivadas, que agora foram regulamentadas. Poderia comentar sobre isso?

Foi muito interessante que foi editado, há poucos dias, o decreto que regulamenta as debêntures incentivadas para projetos de infraestrutura. Isso agiliza o processo de conseguir o incentivo para os projetos e inclui também as áreas socialmente mais vulneráveis. É um aspecto social importante, que foi muito discutido na época que estava no governo. Quando foi criado um grupo, o GTMK, que a própria Amec também participou, e teve a proposta que veio do LAB. Foi indicada a necessidade de reconhecer setores, não só ambientalmente mais limpos, mas também trouxe o embrião com questões sociais.

Também neste caso é um ativo de mercado com um forte componente social, não é? 

Foi uma maneira de definir que se possa ter projetos de infraestrutura nas comunidades, possam ser também objetivo desse benefício. Espero que tenhamos mais projetos nessas áreas para levar a infraestrutura. Isso faz todo sentido para um banco que tem o “S” de social no nome.

Quais as vantagens e características desse tipo de investimentos? 

São modelos que conseguem juntar as ações de filantropia com investimentos de mercado. Ocorre uma mescla desses objetivos, alguns com objetivo de impacto social, uma ação de filantropia, porém com geração de retorno no mercado de capitais. Essa característica torna esses investimentos com uma qualidade melhor. Esses investimentos de filantropia com um retorno de mercado são em geral mais sustentáveis. E não é simplesmente de filantropia, que muitas vezes, não há sustentabilidade. Daí trazemos esses investidores âncora, que são os bancos de desenvolvimento, as agências bilaterais como alavancadoras de recursos do mercado de capitais.