Entrevista Eduardo Guardia: Novo cenário gera oportunidades para a gestão de recursos

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A economia brasileira caminha na direção de patamares mundiais de juros reduzidos, o que abre janela de oportunidade para a indústria de gestão de recursos de terceiros. Em entrevista exclusiva ao Panorama Amec, Eduardo Guardia, ex-Ministro da Fazenda e atual CEO do BTG Pactual Asset Management, comenta o cenário econômico pós-pandemia e revela as estratégias da gestora para explorar outras classes de ativos, em complementação aos produtos considerados como carros-chefe da gestora.

“Além dos nossos produtos tradicionais, que estão performando muito bem nesse ano, também estamos reforçando a estratégia dos produtos ilíquidos”, comenta Guardia. Com longa experiência no setor privado e público, o economista comenta também a efetividade das medidas adotadas pelo governo e pelo Banco Central para enfrentamento da crise. Tendo participado decisivamente da elaboração e aprovação da PEC do Teto dos Gastos, Guardia não deixa de demonstrar preocupação com o equilíbrio fiscal no cenário pós-pandemia. Leia a entrevista na íntegra a seguir:

Panorama Amec – Como avalia a reação do governo ao enfrentamento da crise econômica decorrente da pandemia?

Eduardo Guardia, do BTG. Foto: Divulgação.

Eduardo GuardiaTemos vários pontos importantes. O primeiro é que a reação foi tempestiva e com magnitude relevante. A efetividade das medidas não foi uniforme. Mas vamos falar sobre o que funcionou e o que não funcionou. O auxílio emergencial, que chegou a 60 milhões de pessoas, foi algo muito positivo. Quando analisamos os dados de massa salarial, vemos a importância que o auxílio está desempenhando para mitigar os efeitos da crise. Por exemplo, no segundo trimestre há um crescimento de renda disponível da população. Isso é decorrente do auxílio.

Quais as outras medidas merecem destaque?

Em outra frente, o Banco Central atuou muito bem na questão de assegurar a liquidez do mercado financeiro, tendo adotado várias medidas, desde a redução do compulsório até a linha para dar liquidez no mercado secundário, e isso foi muito importante. O que faltou realmente foi o auxílio à pequena e média empresa. O governo anunciou logo na saída os R$ 40 bilhões com funding e risco do Tesouro Nacional, mas era um programa com tantas restrições do lado de quem tomava o crédito, que uma parte muito pequena foi liberada, acho que apenas R$ 2 bilhões.

E como fica a preocupação com o desequilíbrio fiscal?

É onde queria chegar. Tudo que foi feito até o momento foi com base na PEC emergencial, que permitiu uma expansão temporária do gasto público. E isso é fundamental, porque o arcabouço legal que está de pé indica que os gastos são restritos ao ano de 2020. Este é o ponto central. Se por algum motivo você flexibilizar essa restrição, daí começa a agregar muita preocupação e risco à situação fiscal brasileira. Aqui não tínhamos alternativa. Mesmo que o ponto de partida do fiscal já fosse bastante desafiador no Brasil, não tinha como não atuar para defender e mitigar os efeitos da crise. Agora a expansão fiscal foi feita. Estamos falando de um déficit que deve ficar em torno de 13% do PIB.

E como ficará a dívida em relação ao PIB?

Estamos projetando que a dívida bruta chegará a mais de 90%, talvez 95% do PIB. Fizemos a expansão que foi correta, mas que deve ser temporária. Quando presencio discussões de flexibilizar essa regra para manter a expansão fiscal nos próximos anos, vejo com enorme preocupação. Teríamos de pagar essa expansão fiscal com aumento de dívida. E isso requer toda a discussão e continuidade da agenda de reformas para que possamos segurar o teto dos gastos nos próximos anos.

E como está avaliando o funcionamento e as perspectivas para o mercado de capitais no financiamento das empresas?

O que mudou significativamente no Brasil é o patamar de taxa de juros. Hoje estamos discutindo se a Selic vai ficar em 2,25% ou vai para 2%. Estamos no final do ciclo de redução das taxas, em um patamar bastante baixo. Sabemos que o mundo inteiro já vinha com taxas de juros baixas, mas no Brasil é a primeira vez que convivemos por maior tempo com juros tão reduzidos. Isso tem um efeito muito grande na economia e permite a redução do custo do financiamento das empresas, o que abre a possibilidade de se desenvolver um financiamento de longo prazo no mercado de capitais brasileiro. Nunca tivemos isso.

Como manter os juros em patamares reduzidos?

Para manter as taxas de juros em patamares baixos, temos de avançar também com a reforma do lado fiscal. A consolidação fiscal é fundamental para preservar taxas de juros baixas. A reação foi positiva, mas como disse, os gastos devem ficar restritos ao ano de 2020. O que precisamos agora é da retomada das reformas. E começamos a ver essa semana a retomada da discussão da reforma tributária junto ao Congresso. E isso é da maior relevância. O que falta para o país é completar a agenda de reformas com foco na área fiscal, com corte de despesas e tributário.

Quais as possibilidades que se abrem com o novo cenário de juros?

O novo cenário abre perspectivas, por exemplo, para o financiamento de projetos de infraestrutura, que requerem recursos de prazo mais longo. Do ponto de vista das empresas, de Bolsa, evidentemente a redução das taxas de juros tem um retorno positivo nas empresas, e isso está refletido nos preços das ações que vemos no momento, com boa recuperação. Não recuperou totalmente em comparação ao período pré-Covid, mas estamos com o Ibovespa acima dos 100 mil pontos. Quando o Will [Landers] transmitiu há um mês e meio [em entrevista ao Panorama Amec edição n. 9 de 08/06/2020] com uma visão positiva, ele estava correto. A Bolsa andou nesse período e acreditamos que há espaço para continuar performando bem.

Pode comentar sobre a estratégia da asset em termos de produtos?

Estamos acompanhando essa mudança profunda na economia brasileira e no mercado financeiro. Nós do BTG Pactual nos preparamos para esse período. Nossa estratégia é continuar trabalhando fortemente nos produtos que são os carros-chefe como multimercados, de ações e crédito. E além dos produtos tradicionais, que estão performando muito bem nesse ano, também estamos reforçando a estratégia dos produtos ilíquidos.

A asset está atuando também com produtos ESG?

Temos diversas iniciativas do grupo, não apenas do banco, do nosso compromisso ESG, mas também da asset, adotando os princípios de sustentabilidade e boa governança na seleção dos ativos. Estamos lançando produtos com essa conotação. Gostaria de chamar a atenção para um produto bem interessante que são os investimentos em florestas, que já faziam parte dos produtos da asset. Já tínhamos fundos com ativos em florestas no mundo inteiro. E agora vamos lançar um fundo de floresta com viés de reflorestamento em áreas degradadas. Estamos trazendo essa visão ESG para dentro de nossos produtos. Temos outras iniciativas que vamos divulgar no momento adequado.

Como avalia a evolução do ESG no mercado de capitais?

A discussão já vem há algum tempo e agora é uma tendência absolutamente clara. Os investidores irão cada vez mais exigir que não só das empresas nas quais eles investem, mas também de seus produtos, que eles tragam uma garantia de respeito ambiental, de sustentabilidade e de governança. A pandemia só acelerou essa tendência que já estava clara para todos nós. Isso é irreversível, é um processo que só vai se acentuar ao longo do tempo.

Como a asset está avançando na utilização das plataformas digitais para a distribuição dos produtos?

Estamos andando muito forte nessa área. Tem a nossa iniciativa do BTG Digital, que é uma área fundamental. Hoje o investidor quer se comunicar com a instituição financeira através dos aplicativos, de uma forma simples, transparente e ágil. Por isso a plataforma digital está sendo ampliada. Estamos entrando também no varejo, que é um caminho importante para o banco. E quando falamos mais de investimentos, mais relacionados a minha área, é importante dizer que a plataforma do BTG Digital é aberta. O investidor tem a sua disposição todos os melhores produtos financeiros do mercado.

Poderia explicar melhor esse conceito de plataforma aberta?

O investidor entra na plataforma não só para comprar produto da asset do BTG. Temos de competir com todas as outras assets, assim como ocorre em outras plataformas do mercado. E essa plataforma tem permitido que a gente chegue ao investidor, ampliando o leque de produtos à disposição desses clientes, sobretudo para as pessoas físicas. É uma mudança importante e rápida. Nós da asset estamos entendendo esse movimento, estamos nos preparando interna e externamente para oferecer os novos produtos, sobretudo as estratégias ilíquidas. O desafio é não apenas performar entre os melhores, exigindo boa performance de nossos fundos, mas também tendo capacidade de colocar os novos produtos de economia real, ESG, real estate, FIDCs, e fundos de previdência, que estão crescendo bastante também.