Entrevista Bruno Salem Brasil: Duas faces de uma mesma moeda em acelerada transformação

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O papel das áreas de relações com investidores (RI) das companhias está passando por forte transformação. Se antes da pandemia, as mudanças tecnológicas e a maior interação com os investidores já afetavam a atividade desses profissionais, com a chegada da Covid-19 e da crise atual, tudo se acelerou. Em entrevista exclusiva ao Panorama Amec, o Presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores, Bruno Salem Brasil, fala do acelerado processo de mudança em um cenário de provável multiplicação dos IPOs. O instituto tem registrado aumento de demanda por capacitação de profissionais em função dessa perspectiva de aberturas de capital de maior número de companhias.

O representante aborda ainda a intenção de aproximação com a Amec e a maior interação entre o que ele denomina de “duas faces da mesma moeda”. Bruno Brasil discorre sobre temas que permeiam as duas associações e os dois setores, como por exemplo, as questões ESG, que estão ganhando muita força também nas atividades dos RIs, e as novas tendências em relação ao disclosure das companhias. Leia a entrevista a seguir na íntegra:

Panorama Amec – Quais as principais mudanças no papel dos profissionais de relações com investidores no cenário atual?

Bruno Salem Brasil, do IBRI. Foto: Divulgação.

Bruno BrasilO vírus acrescentou elemento de incerteza na condução das empresas. Isso exige que os RIs tenham de mensurar esses impactos e alinhar uma comunicação para o mercado. Um dos problemas é que esses efeitos muitas vezes são de difícil mensuração. Não sabemos ainda a extensão e os desdobramentos da pandemia. Por exemplo, quem atua no varejo não sabe por quanto tempo ainda persistirão as restrições em relação à reabertura. Ou seja, exige um esforço maior em avaliar o impacto na organização.

Como está mudando a dinâmica de relacionamento com investidores?

Existe uma mudança interessante que é uma nova dinâmica de relacionamento com os investidores. E aí claramente toda referência a uma mudança na maneira de atendimento. Antes realizávamos muitos roadshows e visitas aos fundos. As conferências organizadas por bancos e corretoras nos ajudavam a manter fóruns de discussão. E isso tudo foi para o ambiente online.

Houve uma aceleração do uso de novas tecnologias na função dos RIs?

Seguramente vinha avançando antes, mas de forma ainda moderada. A maioria ainda tinha receio de utilização das tecnologias. Mas quando chega a pandemia e junto com ela um cenário de ruptura, isso obriga as empresas e organizações a se mexerem. Por exemplo, antes os encontros virtuais eram mal recebidos pelos investidores. Eles queriam uma reunião pessoal com o CEO da companhia. Quando se dizia sobre a marcação de um call, ninguém gostava. Queriam encontro presencial.

Como avalia a realização de assembleias da temporada deste ano?

O mercado já vinha nos últimos anos no sentido de eliminar algumas formalidades, mudando alguns procedimentos para permitir maior participação, principalmente dos estrangeiros. Era um esforço para eliminar algumas exigências cartorárias que atrapalhavam, por exemplo. Acho que a participação remota já vinha se ampliando. A votação à distância já acontecia há alguns anos e funcionava bem de forma eletrônica. O que aconteceu agora foi a possibilidade de realização da assembleia 100% digital, com participação simultânea.

Como o Ibri está percebendo o movimento para a retomada dos IPOs?

Há uma fila grande. E faz algum tempo que estamos falando disso. Antes da Covid-19, havia interesse de 30 ou 40 empresas. Elas continuam preparadas e temos contato com várias delas, que estão buscando capacitação para construir o programa de relação com investidores. Dado o cenário de maior liquidez, alguns planos podem ser retomados até antes do que a gente imagina. Se não acontecer nada de muito diferente nas próximas semanas, tem uma razoável possibilidade de muitas delas acessarem o mercado.  

Como é possível perceber essa movimentação?

Vimos alguns casos de grandes empresas que estavam muito próximas da abertura de capital e que tiveram de desmontar equipes para enxugar despesas. Agora já vemos essas mesmas empresas remontando os times.

Está ocorrendo maior demanda por atividades de capacitação por conta da retomada dos IPOs?

O Ibri busca capacitar o profissional de RI para prestar o melhor serviço para o mercado de capitais. Nós relançamos um programa de e-learning que tínhamos aberto em dezembro do ano passado, e agora tivemos o dobro da demanda pretendida. A ferramenta EaD é importante para alcançar maior número de profissionais, em especial aqueles que estão fora dos grandes centros urbanos.

E poderia comentar a relação do Ibri com a Amec?

Tenho procurado me aproximar da Amec. Acredito que podemos criar valor para os dois públicos que considero como faces de uma mesma moeda. Estamos falando do mesmo objeto visto de ângulos distintos. Os investidores institucionais querem falar com as companhias, expressar suas preocupações, comentários e opiniões. Do lado dos RIs, os profissionais podem vir a ser agentes de transformação dentro das companhias. Considero muito producente as iniciativas que possamos desenvolver com a Amec.

Como avalia o avanço das questões socioambientais nas empresas?

Temos visto muitas companhias com forte movimentação em relação aos temas ESG e governança. Todos já sabiam que isso era importante, mas agora é praticamente obrigatório que se avance nestes temas. No ano passado o assunto ganhou painel específico no encontro de RIs e deve estar presente também no evento deste ano, que se chamará World Summit. Outro ponto interessante é que no Ibri reestruturamos as comissões e oficializamos mudanças na antiga comissão de sustentabilidade. Esse fórum tratará de ESG e de como as questões ambientais, sociais e de governança afetam as companhias.

Em termos de reporte das empresas, como avalia o uso do Relato Integrado?

Tem muita empresa que ainda não faz Relato Integrado. Mas a empresa que decide adotá-lo, no primeiro ano provavelmente não produzirá uma obra prima. Mas no segundo ano, provavelmente, teremos avanços. Cabe destacar que o relatório anual é um documento geralmente bastante grande, porque fala um pouco de tudo. No Relato Integrado a proposta é diferente, porque não há necessidade de se falar de tudo, pois o foco está naquilo que gera valor para a companhia. É uma sistemática que está ganhando espaço.

Finalmente, o que muda no papel dos RIs com a entrada de maior número de pessoas físicas na Bolsa?

O maior engajamento está acontecendo, seja com o investidor qualificado ou com investidor pessoa física. É muito recomendado que os RIs revisitem os manuais de Assembleia para atingir os diferentes públicos. Por exemplo, o investidor qualificado consome o manual de Assembleia, mas no caso do investidor pessoa física, há clara preferência pela apresentação em vídeo ou áudio.